Críticas

Crítica | Planeta dos Macacos: A Guerra

Blockbusters possuem o objetivo claro de alcançar o maior número de pessoas e agradar de inúmeras maneiras esse espectador, para que então, novos consumidores possam comprar mais ingressos para o filme em questão. Não é necessário ser nenhum gênio do cinema ou da economia para fazer tal afirmação. Fato é que uma vez inserido nessa lógica industrial, um cineasta ou um filme necessitam seguir certa cartilha para a sua concepção, alguns pontos regidos por tendências de mercados e pelo gosto do público. Com a nova trilogia do Planeta dos Macacos e sua terceira parte não é diferente, a questão é como o longa evidentemente tenta, por algumas vias, propor temas e reflexões seguindo essas predeterminações.

Planeta dos Macacos: A Guerra possui tudo o que um pretenso blockbuster atual deve ter para agradar seu público. Desde o incrível trabalho técnico presente no longa (como a utilização da captura de movimentos de atores reais para a criação dos personagens macacos) até o tom épico que gira em torno de todo o filme. O longa é uma obra grandiosa, que a todo o momento demonstra seu valor de produção – seja pelas incríveis batalhas ou por seu extenso elenco, mas também deixa claro o desejo de contrabandear ideias nessa visível e previsível fórmula hollywoodiana. Matt Reeves, diretor e um dos roteiristas, consegue fazer com que seu filme seja mais do que uma batalha empolgante, cheia de efeitos especiais, entre homens e macacos. O que pesa no longa é realmente essa tentativa constante de balancear um produto padronizado e uma obra inquieta a fim de propor uma série de metáforas.

Isso fica perceptível logo nos primeiros segundos de projeção, quando o longa, através de letreiros, resume a trama dos dois filmes anteriores, demonstrando um cuidado com um espectador ocasional que talvez não tenha visto ou mesmo prestado a devida atenção aos demais longas da série. Planeta dos Macacos: A Guerra até sofre em ter que ficar explicando em seus diálogos fatos que ocorreram em filmes passados, mas mesmo assim não abre concessão ao continuar a história em progressão narrada desde A Origem.

Agora, os poucos homens que restam buscam encontrar e lutar com os macacos que ainda resistem nas florestas, e principalmente tentando confirmar se o líder César (Andy Serkis) ainda continua vivo. Logo nesses primeiros minutos Reeves já demonstra habilidade ao filmar esse confronto, primeiro colocando a câmera no ponto de vista dos humanos, para depois, ao estourar a batalha, inverter a perspectiva e assim conseguir demonstrar como aquilo é uma grande perda para os dois lados. O espectador, mesmo diante de um filme de ficção científica é convidado a assistir a uma guerra sem vencedores, inglória em todos os sentidos.

O longa finalmente começa quando em uma dessas investidas humanas, O Coronel, interpretado pelo veterano Woody Harrelson, praticamente faz uma chacina no habitat dos macacos, matando inclusive personagens familiares a César (fato que ocorre nos primeiros minutos do longa). O protagonista, então, parte para uma jornada de vingança, finalmente sentindo ódio da espécie que o criara.

Planeta dos Macacos: A Guerra poderia então apenas fazer com que seu personagem partisse numa busca frenética em que cada humano fosse um soldado a ser batido. Até por que a vingança familiar é a motivação base do cinema de ação americano, o homem que honra os valores familiares através da mesma violência que foi vítima. Neste caso o que ocorre é justamente o oposto, Reeves faz com que César parta para uma jornada totalmente interior, em que aquela busca sem fim por seu oponente faz com que surja uma verdadeira reflexão sobre aquela situação. A primeira parte do filme consiste em longas caminhadas que fazem a raiva do protagonista transformar-se em outro sentimento. Como em Rastros de Ódio, clássico de John Ford, o olhar do personagem vai sendo mudado através das longas caminhadas atrás das mais insignificantes pistas, e o que realmente importa – mais do que a vingança em si – é o que ele encontra no caminho.

Ainda que essa parte possa ser considerada descompassada em comparação ao restante do longa, é um dos grandes pontos desse contrabando de ideias proposto pelo cineasta. Nessa balança entre concepções particulares e a lógica das tendências, o longa coloca nessa jornada dois importantes personagens, uma garotinha abandonada e um macaco inteligente criado num zoológico, figuras que servem como contraponto emocional e cômico respectivamente. Ainda que ambos possuam suas importâncias narrativas, eles servem principalmente para agradar um maior leque de espectadores, fazendo com que aquela tensa narrativa ganhe leveza. Algo que muitas vezes parece fora de tom, ou pertencente a outro filme. A introdução desses personagens e até mesmo algumas de suas cenas parecem apenas uma obrigação para com o estúdio.

Assim, Planeta dos Macacos possui uma série de irregularidades, como se muitas vezes possuísse mais de um filme em seu corpo, parecendo que algumas partes não se juntam tão bem, ou que algumas ideias sejam mais privilegiadas que outras. Ainda que essa dissintonia seja sentida, é inegável como a segunda parte do longa é bastante interessante, César, praticamente por acaso, chega ao local de seu oponente, uma base militar fortificada como se fosse um país, liderada apenas por esse coronel, construindo – através da mão-de-obra escava dos macacos – um gigantesco muro isolante.

A metáfora é clara, e ainda que bastante evidente, sua força é inegável. César encontra um local arruinado, tentando se agarrar a qualquer crença que os mantenha vivos, liderados por um lunático que alimenta a loucura de seus semelhantes, dizendo ser a única cura para uma ameaça externa, que por ser diferente já se torna uma ameaça. Planeta dos Macacos: A Guerra faz questão de conectar-se com a realidade, de comentar sobre uma atual e perigosa leva de líderes mundiais que alimentam a sua própria ruína com discursos extremados e atos impulsivos, incapaz de enxergar qualquer conexão com outros povos.

Nesse pensamento, o longa constrói duas imagens icônicas, a primeira enquanto o exército proclama uma canção glorificando a guerra e pedindo pelo sangue dos inimigos, o Coronel em sua varanda se barbeia e rege seus homens com uma navalha, terminando com uma benção do líder para sua tropa, transcrevendo toda a loucura do poder e da guerra. A outra ocorre justamente quando o confronto explode e uma bandeira dos Estados Unidos pichada e rasgada pega fogo, o estandarte em chamas fica em primeiro plano, a destruição ao fundo. A metáfora é clara mas bastante potente.

O longa não faz em nenhum momento que a guerra, presente no título, seja a glória de seus personagens, pelo contrário, diante desse cenário o que resta àquela espécie é a sobrevivência e não o confronto. Planeta dos Macacos: A Guerra pode ser empolgante, mas nunca inconsequente. E se o terceiro ato do filme é marcado por mais irregularidades e soluções que parecem apenas conveniências narrativas, o longa merece atenção, principalmente por se passar por mais um blockbuster, mas na verdade possuir ideias muito maduras.

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