Críticas

Crítica | Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas

Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas chega aos circuitos como o filme sobre o criador da mais famosa heroína dos quadrinhos, valendo-se dessa questão em seus materiais promocionais, trailers e cartazes. Um longa que parecia evidenciar realmente um processo de criação da Mulher-Maravilha, sendo lançado num momento oportuno, no mesmo ano do filme solo da heroína e seu sucesso de público e crítica. Mas o que se vê na tela é uma obra que se utiliza desse fator de sucesso para abordar temáticas muito mais arrojadas, para colocar ao público questões que não estariam num grande filme e que surgem aqui com naturalidade e força por estarem associadas a uma figura tão presente no imaginário pop.

O longa mostra na verdade como a sua principal criação foi na verdade uma consequência quase casual de uma vida marcada por um árduo estudo da mente humana, sobretudo da feminina, e de seu relacionamento totalmente fora do padrão para a época e até mesmo para hoje. A história de professor Marston, que aqui pode não ser considerado nem ao menos protagonista de sua história, passa principalmente pelo seu relacionamento a três, com sua esposa oficial, Elizabeth Marston (Rebecca Hall) e a ajudante do casal na universidade, Olive Byrne (Bella Heathcote), numa relação que deriva tanto dos prazeres sexuais, e suas diversas nuances, como do interesse humano que cada um tem pelo outro, ambas as questões tratadas com naturalidade.

Como o casal estudava psicologia, esse relacionamento a três passa a ser um envolvimento sentimental, mas também racional, transformando aquilo que se considerava perversão sexual em algo completamente natural, presente nos desejos, impulsos e sensações mais naturais do homem. Há então esse envolvimento que passa não apenas pelo sentimento, mas também por comprovações de teses e teorias, uma unificação desses dois campos, como se a intimidade daqueles três se unissem a suas pesquisas e afins. Willian Marston (Luke Evans) e sua esposa simplesmente se apaixonam por sua jovem pupila, assim como ela, que nutre também uma admiração intelectual pelos dois. O primeiro ato é focado como, apesar desse conhecimento, todos os Marstons também sentem o peso de admitir tais impulsos, de reconhecerem sentimentos e aceitarem algo tão a frente de seu tempo. Como qualquer história de amor, há nesse percurso percalços que todo relacionamento passa, dúvidas e também um temor por viver algo extremamente proibido. Um relacionamento diferente que faz questão de ser mostrado como algo normal.

O mais interessante é que Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas não deixa de assumir seus próprios desejos, e um filme que aborda o sexo e seus impulsos naturais também foca nessa atração física, apostando em momentos em que o envolvimento sexual faz parte da narrativa, unindo-se àquilo que deseja falar, mostrar uma relação honesta e sincera entre aqueles três personagens. Há sim um componente fetichista, colocando seus personagens em fantasias sexuais, transparências e coisas do tipo, mas até mesmo o fetiche, a submissão e a dominação eram pontos tocados pelas ideias de Elizabeth e Willian. Há evidentemente um receio em mostrar demais ou pesar a mão nessas cenas sensuais, algo que faz com que essa potência se perca, que faz com que o longa deseje também ceder a pressões da conformidade ou de como o sexo deve ser mostrado para não afetar o grande público.

Isso ocorre porque há uma clara pretensão em Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas de atingir o grande público. Todas as decisões da roteirista e diretora Angela Robinson fazem com que o filme caminhe por um lado convenções do grande drama, aquele que convence a plateia pelos seus valores de produção (a maestria na direção de arte e fotografia) e pelo discurso de vitória, o tom épico atribuído a qualquer narrativa, aqui se caracterizando pela defesa de Willian a sua obra, a Mulher-Maravilha. O que é sentido é até mesmo uma fissura entre a forma do filme e sua temática, como se naquelas convenções do melodrama houvesse um ruído ao falar de algo tão incomum, algo tão revolucionário. Evidente que isso passa pela normalização de seu tema, mas as decisões tomadas pela diretora às vezes beiram o clichê, como as câmeras baixas evidenciando a grandeza daqueles que defendem suas ideias, ou a utilização da luz que deixa sempre as mulheres do filme com uma aura, mostrando esse maravilhamento, ou a música que comenta excessivamente aquilo que se vê, como Nina Simone em Felling Good na primeira vez que ocorre o sexo a três.

E talvez mais do que essa aproximação com um cinema convencional, o que faz com que Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas atinja o público seja a aproximação com a heroína, algo que a todo o momento é lembrado. Desde a narrativa que intercala essa trajetória dos personagens com uma reunião entre Willian e um conselho de bons costumes que almeja censurar os conteúdos dos quadrinhos da Mulher-Maravilha. Mas principalmente como algumas pistas fazem com que o nascimento daquela personagem esteja ligado ao relacionamento deles. O casal, por exemplo, melhorou o detector de mentiras através da alteração da pressão sistólica, algo medido por uma monitoração no peito, remetendo ao laço da verdade, algo amarrado na pessoa que faz com que a verdade seja dita. Ou as práticas de bondage e nós, que logo remete ao uso dos laço da Mulher-Maravilha. E até mesmo a fantasia da heroína, quando Olive surge de vestida de deusa grega, numa pesquisa sobre os impulsos daquele relacionamento.

O interessante é realmente como essa aproximação com o ícone abre essa possibilidade para abordar seus assuntos, para colocar o amor livre e os impulsos sexuais numa obra claramente para o grande público. Evidente que essas duas coisas não fazem um filme bom, e realmente o que sobra é o envolvimento daquelas pessoas, o sentimento e desejo que existe naquela relação, algo que se materializa principalmente na atuação de Rebecca Hall, com as sensações sendo sentidas em sua respiração, o desejo, ressentimento e arrependimento, tudo que gera aceitar esse amor livre em tempos de opressão. O filme faz com que isso pegue carona com o fenômeno e popularidade de Mulher-Maravilha.

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