Críticas

Crítica | Quatro Vidas de Um Cachorro

Filmes com animais, principalmente com cachorros, são praticamente um gênero a parte, tendo seus próprios clichês e convenções. Sempre açucarados e com um tom bem melodramático, esse tipo de filme arranca suspiros tanto pela sua fofura, quanto pela relação entre pet e dono. Quatro Vidas de Um Cachorro não é diferente, construindo toda uma amizade entre um cão e seus donos, ao longo de suas vidas diferente como o próprio título supõe.

É verdade que o filme esteve envolvido em polêmicas nas últimas semnas, todavia, para fins analíticos, é necessário se distanciar da matéria extra-ficção, tentar enxergar se por si só o longa dialoga com seu público, e isso Quatro Vidas de Um Cachorro se sai surpreendentemente bem. O filme, como já dito, mostra quatro vidas de um mesmo cão, como se a cada final de vida ele retornasse numa nova raça e começasse tudo outra vez, mas sempre se lembrando de seu primeiro dono, o jovem Ethan.

Se a premissa já pode ser considerada um pouco diferente dos demais, o longa vai demonstrando ter uma enorme consciência de onde quer chegar, concebendo um filme leve, divertido, que por muitas vezes se entrega aos clichês, mas sempre tendo consciência da sua simplicidade, não tentando conquistar seu espectador através das lágrimas somente.

Assim, é interessante até mesmo como diretor (Lasse Hallstrom) e roteirista (Cathryn Michon) encontram solução para narrar a história. Construído inteiramente pela perspectiva narrativa do próprio cachorro, o longa tenta estar na mente do animal o tempo todo, dessa forma o filme utiliza uma narração em off do cachorro, em que o personagem canino faz comentários sobre o que está acontecendo. E se tal recurso poderia resumir Quatro Vidas de Um Cachorro a um longa de animais falantes, isso não ocorre pela forma inteligente como essas inserções narrativas são feitas. Os comentários além de conectar público com um personagem que não pode falar também servem de extremo alívio cômico, as respostas caninas ao mundo humano é sempre uma tirada leve que o espectador realmente acredita estar sendo dita por um cão.

Nessa mesma lógica, Hallstrom também busca sempre aproximar sua direção do próprio cão, por muitas vezes utilizando-se de uma câmera subjetiva que faz com que o público entre na pele daquele animalzinho, vendo o mundo literalmente pelo seus olhos. Esses dois rescursos transformam a simplicidade e a leveza contidas no filme em algo extremamente crível. Imagina-se que um cão que esbanja fofura só poderia contar uma história dessa maneira.

Com isso, respeitando essa sua atmosfera o filme nunca cai na armadilha de construir toda ficção em torno da morte do cachorrinho, como tantos outros filmes fazem. Aqui o foco é sempre nessa relação entre dono e pet, nessa amizade mostrada de quatro formas diferentes. Assim, Quatro Vidas de Um Cachorro vai contruindo essas relaçoes afetivas, principalmente a primeira entre o cão e Ethan no interior dos EUA dos anos 1960 – essa primeira parte é edificada com esmero e vai mostrando a parceria entre os dois desde a infância até meados da vida adulta do garoto.

Se comparada com as outras vidas apresentadas no filme essa é a que tem a maior duração, para que se sinta a relação afetuosa entre aqueles dois. Como um foi importante para o outro, estando presentes tanto nas tranquinagens quanto nos momentos mais difíceis, essa construção totalmente cautelosa faz com que aquele laço seja totalmente inesquecível e essa lembrança reverberá nas demais vidas tanto para o cão narrador quanto para o público.

O filme segue para suas próximas vidas, o cão toma outro corpo, em outra cidade, em outra década. As transições ficam claras pelo uso da direção de arte contextualizando o espaço e a música utilizando sempre um single pop do momento. O que antes era um filme sobre a relação entre um Retrevier e uma família interiorana, passa a ser um policial dos anos 1970 protagonizado por um pastor alemão. A homenagem é clara ao clássico da sessão da tarde K-9, na sempre constante leveza narrativa presente no filme. Quatro Vidas de Um Cachorro se diverte com esse momento colocando seus personagens em sequências policiais sempre regado de bom humor, como quando o cão faz de tudo para poder dormir na mesma cama que seu dono, um policial carrancudo. Ainda que breve esse momento configura uma das melhores coisas do longa e faz um grande contraponto com que estava sendo visto até então.

O filme ainda faz um tour pelos anos 1980 e mostra numa nova vida o cão com sua nova dona no que no início parece ser um típico filme adolescente na década. Nesse segmento, o protagonista canino que agora atende pelo nome de Tino se apaixona e até aprende a lidar com crianças, mas o que fica subentendido é que aquela vida pode ser boa, mas nunca houve um dono como Ethan, pouco a pouco o filme vai construindo essa falta, a ausência do garoto nas vidas daquele cão vai sendo sentida, para que esse seja o grande objetivo do último segmento do filme, o reencontro entre cão e aquele garoto interiorano.

Se em muitos momentos o longa cai em certas armadilhas para uma fácil assimilação, por exemplo, a câmera passeando pelos portas-retratos do policial mostrando ele acompanhado de uma mulher enquanto o cão diz que ele se sente muito sozinho, ou o alcoolismo do pai de Ethan que parece apenas uma muleta narrativa para gerar conflitos, algo que fica um pouco jogado na narrativa do filme. E se além disso o humor às vezes possa parecer exagerado, Quatro Vidas de Um Cachorro é um filme com o propósito de ser leve, de ser divertido e de ser emocionante sem ser extremamente apelativo. Um filme com cara de matinê.

Se muitos podem torcer o nariz para o típico filme com animais, Quatro Vidas de Um Cachorro consegue ser um longa que pega pelo afeto, por sua leveza e principalmente por sua simplicidade. Se a relação entre dono e cão parece tão harmoniosa nas telas, resta ao espectador se entregar aos encantos daquele cachorro e de suas vidas.

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