Críticas

Crítica | Rei Arthur: A Lenda da Espada

Rei Arthur é uma figura interessante da cultura ocidental, um símbolo enraizado no imaginário coletivo. A história, ou mito sobre o grande líder saxônico, sua espada mágica e seu mago mentor não está relacionada a um livro, série ou coisa do gênero, mas um pensamento sobre ele, uma ideia de qual é figura desse Rei Arthur. É, dessa forma, que uma reinvenção do personagem torna-se um trabalho facilitado, possibilitando uma liberdade ao trabalhar com uma imagem já conhecida, sem que as bases que estabeleceram suas características não estejam tão presentes. Atualmente sobra a figura do Rei Arthur e não sua história.

A versão cinematográfica de 2017 é uma comprovação da espécie de tese descrita acima. Mais do que compreender essa situação, o longa é um sintoma dessa utilização de uma imagem presente no imaginário coletivo sem necessariamente buscar sua essência ou suas bases, Rei Arthur: A Lenda da Espada é um filme carregado de um espírito pós-moderno, que surge aqui sem nenhuma consciência. Diante disso, não é nenhuma surpresa ter o nome de Guy Ritchie como diretor desse longa, conhecido por sua mistura de referências, sua forte carga pop, seu ritmo acelerado (ainda que descompassado) e a utilização de recursos gráficos, fatores que jogam seus filmes sempre entre a excitação do espectador e a falta de tato para perceber o que é realmente necessário estar na tela.

Desde seu primeiro filme, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), a obra que era excessivamente tarantinesca parecia saber exatamente o que animava o público e isso era jogado na tela como uma salada que as vezes podia ser saborosa, mas em outros momentos parecia apenas não combinar. Ritchie continua trabalhando nessa mesma lógica, e se antes suas excitações visuais e cinematográficas estavam ligadas ao mundo do crime do subúrbios ingleses, agora (desde Sherlock Holmes de 2009) o diretor une esse suas predileções estilísticas com narrativas de época, buscando uma nova forma de animar sua audiência, vendo as possibilidades que os períodos podem trazer para suas obras, como se fossem apenas uma roupa, ou mais uma camada de estilo. Por baixo dessa armadura temporal, ainda existe a mesma narrativa e ideias narrativas presente em Snach, Jogos, Trapaças… ou Revolver. Rei Arthur: A Lenda da Espada é apenas uma fantasia medieval para uma história de ação desse tempo presente.

Sendo assim, seria tola a tarefa de buscar nesse filme traços verdadeiramente históricos, uma coerência com o período retratado, o mundo do longa é regido por regras contemporâneas. A história segue alguns traços da lenda de Rei Arthur, o trono tomado de sua linhagem, a profecia da espada na pedra, a figura de Arthur e seus fiéis escudeiros e da magia presente na lenda, todavia o que mais chama atenção são esses traços contemporâneos. Quando Arthur é abandonado ainda pequeno, após a morte de seus pais, ele passa a viver nos bordéis, e cresce como um gangster, um líder de uma gangue no meio de uma pequena cidade medieval, agindo como se estivesse num filme policial atual. Ele suborna a polícia, manipula os portos, mesmo sendo um homem do povo, há movimentos de resistência contra o governo, duas articulações quase impossíveis na idade média, mas condizentes com um filme que mistura todos os elementos possíveis na sua narrativa.

Nessa regra do jogo quase sempre fluída, os realizadores de Rei Arthur: A Lenda da Espada parecem ter dois objetivos, o primeiro conseguir colocar um maior número de informações na trama e a segunda construírem o maior número de elementos que atraiam o público. Da primeira ordem, o longa busca rechear a trama de elementos narrativos, informações novas são dadas a cada sequência, isso até o final do filme, uma narrativa que vive de abrir pontas para provar a grandiosidade de seu universo – já com uma pretensão clara de transformar a história numa franquia.

O filme começa com um prólogo contando qual é a guerra que aqueles territórios estão passando, depois parte para uma espécie de clipe com uma edição totalmente acelerada que mostra como foi o crescimento de Arthur (construindo todo o personagem em poucos minutos), uma série de diálogos para explicar como funciona a magia naquele mundo, uma série de flashbacks para explicar como os pais do protagonista faleceram e até nas últimas sequências comentam relações que passam longe do que foi visto em duas horas de longa, como a rivalidade dos vikings. Essa infinidade de informações afasta a produção de qualquer concisão narrativa, uma obra que parece estar sempre dispersa, pensando mais em possibilidades, do que em uma narrativa clara.

O outro fator, a constante busca por estimular a todo o tempo sua audiência, como já dito, o filme utiliza até mesmo o período histórico como artifício puramente estilístico, numa combinação de elementos que possam animar a audiência, utilizando uma direção de arte suntuosa para deixar bem clara essa roupagem do longa. Rei Arthur: A Lenda da Espada combina esse ponto com sua edição frenética, muitos momentos em slow motion, a utilização quase incessante da trilha musical que remixa música folclórica das regiões nórdicas e bretanhas, mas principalmente o estilo vídeo-game que permeia boa parte do longa. Com utilização extremada da computação gráfica, muitas vezes a projeção ganha contornos de game play, longas sequências de ação com uma câmera totalmente frenética que passeia por cenários digitais, enquanto os personagens desferem golpes humanamente impossíveis, fazendo com que o público mais jovem identifique no filme traços dos jogos vistos diariamente.

Rei Arthur: A Lenda da Espada sofre com a banalização dos estímulos, um longa que a todo o momento quer animar e satisfazer seu público com adrenalina visual, que por fim acaba num descompasso geral. Quando tudo é frenético e animador, nada é capaz de mexer com o espectador. Mesmo estando sempre um tom acima, o longa de Ritchie não deixa de ser monocórdico. Nesse seu caldeirão cheio de estímulos, informações, figuras reconhecíveis, narrativas contemporâneas, o longa capta a pior característica pós-moderna, a mistura que visa apenas a satisfação sem nunca buscar sua essência. Rei Arthur torna-se apenas uma figura vazia com forte apelo pop.

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