As cinebiografias mais convencionais costumam comentar linearmente a vida e carreira de seu protagonista, desde a infância até algum clímax de sua trajetória. É o caso de Gandhi, de Richard Attenbourough (1982), ou a primeira versão da vida do criador da Apple no cinema, Jobs, de Joshua Michael Stern (2013). E há filmes que buscam refletir as obras de seus representados na estética e estrutura dos projetos, buscando um reflexo mais criativo e original da vida de um personagem já conhecido, como o caso de O Mistério de Picasso (Henri-Georges Clouzot, 1956) ou o fascinante Caravaggio, de Derek Jarman (1986). Parece que o retrato de Steve Jobs, pelo diretor Danny Boyle. está mais alinhado a este segundo grupo do que ao primeiro. Isso não significa algo bom ou ruim, apenas mais interessante.
Boyle e o roteirista Aaron Sorkin (A Rede Social) optam por mostrar a vida de Jobs em três recortes, no lançamento de três de seus produtos, o Macintosh em 1984, o NextCube em 1988 e finalmente o IMac em 1998. Assim, é inserido no mundo e vida de Steve através de uma série de curtos flashbacks relacionados ao encontro do protagonista com outras pessoas nessas demonstrações de produtos. Com essa atípica estrutura de roteiro, o filme não cai no senso comum, não há a tentativa de mitificação do homem ou a humanização em excesso da figura pública.
Tecnicamente impecável (a fotografia de Alwin H. Küchler chama atenção), Steve Jobs revela o quanto Danny Boyle é um realizador competente, conseguindo realizar um filme sem informações desnecessárias ou causar algum tipo de desinteresse. Com uma montagem incrível, o filme se sustenta sozinho, e o passado e presente se alternam de forma bastante fluída, funcionando como a própria memória do protagonista. Além disso, entre uma apresentação e outra, o espectador assiste a uma espécie de slide show que mostra todos os acontecimentos relacionados a Jobs e a Apple ocorridos entre os acontecimentos retratados, outra escolha que poderia se tornar desinteressante, mas nas mãos do cineasta inglês e de seu montador, Elliot Graham, transforma-se em mais do que uma simples contextualização – mas sim uma parte da estrutura narrativa do longa, sendo essencial para a trajetória de Jobs na tela.
E se o retrato de Jobs é pintado com muita habilidade, talvez seja a o modo como ele é feito que mais incomode em Steve Jobs. É realmente louvável expor todas as falhas do protagonista na tela, a prepotência, arrogância e frieza estão lá e Michael Fassbender transforma com perfeição Jobs em um ser robótico e gélido. A questão é que o longa de Boyle se parece muito com a personagem de Kate Winslet (vencedora do Globo de Ouro 2016 pelo filme), uma espécie de assistente e conselheira profissional e pessoal do fundador da Apple, a todo instante a obra e os próprios personagens passam a mão na cabeça de seu protagonista. Steve Jobs é um filme conivente com as atitudes do homem por trás do gênio, assumindo assim o mesmo distanciamento do personagem principal para com os sentimentos alheios e até mesmo do próprio público.
O longa começa e termina com Jobs sob os flashs, e o problema das luzes é que não se pode ver a realidade ou humanidade dos fatos. Steve Jobs é um filme que ofusca a sensibilidade, os sentimentos e o defeito do homem. Se a obra de Boyle não mitifica, também não consegue separa o ser do gênio e parece que a construção ou invenção de um computador apaga as deficiências de Jobs como pai, amigo e chefe.
Por mais interessante e bem feito que Steve Jobs possa ser, falta ao filme de Danny Boyle a sensibilidade que faltou a seu protagonista na vida real. Steve Jobs é um filme que ofusca seus próprios sentimentos.