Tô Ryca começa com um plano um tanto quanto enigmático, um político extremamente conservador faz uma propaganda eleitoral, proclamando o seu projeto em defesa da moral e da família. O discurso chega a ser arriscado para um filme que busca uma popularidade extrema fazer uma ironia desse tamanho. É comum que haja em filmes como esse uma imparcialidade aparente constante, pouco se vê o subtexto, mas ele está ali. Assim acontece algo similar em Tô Ryca uma comédia que desde seu primeiro minuto tenta transparecer uma consciência de causa, uma ciência do país que retrata.
Regado por esse suposta consciência social, o longa apresenta uma premissa bem comum no cinema de comédia nacional, a figura do pobre que do nada recebe um grande montante de dinheiro e fica rico. Evidentemente, Tô Ryca tenta colar no sucesso da franquia Até Que a Sorte Nos Separe e Um Suburbano Sortudo, e isso fica bastante claro, aqui a única diferença é que para conseguir a fortuna a protagonista Selminha (Samanta Schmütz) precisa gastar 30 milhões em um mês. O que parece fácil é apenas um grande empecilho de um tio desconhecido que não confia sua herança na sua sobrinha.
Assim, o humor de Tô Ryca se faz exatamente pelo deslocamento dos personagens agora endinheirado, a saída da periferia em direção aos locais mais ricos do Rio de Janeiro é o motivo do riso. O filme centra a sua câmera, primeiro no subúrbio, o que conferiria essa consciência social, para depois traçar um paralelo com os locais da classe alta. No entanto, esse movimento não é empoderador de forma alguma, mas pelo contrário ridicularizante, parecendo que Tô Ryca nutre por seus personagens um sentimento de desprezo constante.
Dessa maneira, o longa em seu primeiro momento faz uma representação degradante das comunidades do Rio de Janeiro, nessas situações o humor é retirado justamente da estereotipia daquele lugar e de seus personagens, não se ri com os personagens, mas dos personagens e seus dramas. Essa representação é problemática desde o início quando a protagonista é introduzida através de um plano que enquadra quase que exclusivamente seu traseiro, trajando uma calça apertada rosa, subindo uma ladeira. Não há consciência ou empatia, quem representa aqueles personagens está sempre numa posição superior, onde quer que eles estejam. O que fica evidente na segunda parte do filme.
Quando finalmente Selminha ganha sua fortuna, aquela que não pode usufruir totalmente, o morro desce e o filme passa a habitar zonas mais nobres da cidade. A questão é que tanto Selminha quanto sua amiga são vistas através de um olhar de não pertencimento, como verdadeiras estranhas no ninho, não importa o dinheiro aquelas pessoas não tem o capital social e cultural para viver nessa nova casta e o filme tira o humor justamente desse deslocamento. Mais uma vez tirando sarro do próprio personagem, não utilizando o humor como redenção ou provocação, mas sim zombaria. E olha que há um enorme esforço para chegar a essa aceitação, Selminha dedica-se a ter essa nova vida, faz festas, convida a tudo e a todos, e até muda de visual alisando seus cabelos crespos, é claro. Mas mesmo assim, a protagonista não pertence a esse novo mundo e sua redenção justamente será essa.
O filme parece julgar constantemente as ações e gasto da personagem, como se aquelas origens da protagonista, que o filme frizou de maneira degradante, não fosse no mínimo uma forma de compreendê-la. O longa simplesmente joga um olhar julgador extremamente punitivo, condenando essa busca por uma mudança, por aceitação, por habitar um espaço do qual não faz parte, isso tudo nas entre linhas de uma moral da história de aceitação de si mesmo e de suas origens, numa espécie de “fique onde está que é melhor”.
Nessa representação um tanto quanto míope é difícil rir de Tô Ryca, e olha que há um exagero constante nessa tentativa de humor. O primeiro papel em longa metragem de Schmütz prova que ainda falta preparo para a atriz, que repete alguns tiques do teatro, utilizando um tom de voz sempre muito alto, que funciona num stand-up, ou num programa como Vai, Que Cola com a presença de uma plateia, mas que aqui não funciona. Há certo exagero na atuação da protagonista que parece carregar ainda mais o filme, uma vez que tudo em Tô Ryca parece exagerado, apostando numa verborragia constante, emendando uma piada na outra sem medo, mas que se revela uma falta de timing constante, na busca pelo riso compulsivo Tô Ryca apenas se atropela.
Em certo momento da projeção, Selminha diz que para pobre menos não é mais, e já que ela tem dinheiro ela quer mais e mais. Essa pode ser a síntese de Tô Ryca, que pretende apontar problemas sociais, mesmo com sua lógica problemática de representações, e fazer rir a todo o momento, mesmo que com um despreparo visível para o humor. O filme parece atirar para todo lado e raramente consegue alguma boa piada.
É aí que no meio dessas tentativas forçadas de humor o filme inventa a candidatura de Selminha à prefeitura do Rio. Assim, o longa volta a atuar naquela sua chave que contém a tal consciência social, dessa forma, Selminha torna-se uma espécie de representante do povo, mas mesmo aí falta crítica, falta embasamento para fazer esse humor minimamente engajado, há apenas um esbravejamento em relação a áreas pouco concretas da política do tipo “estou cansada de corrupção”. Após atuar nessa ideia durante bastante tempo o filme parece desisitir, de maneira muita mal construída a protagonista é impedida de continuar nas eleições e é mais um sonho da protagonista interrompido.
Essa é a grande questão de Tô Ryca. Não há redenção ou vitória para a protagonista, que na projeção se vê apenas numa série de tentativas mal sucedidas – seja a inserção numa classe melhor, ou a incursão na vida política – e só volta a ser feliz no retorno ao subúrbio. A sociologia de Tô Ryca parece apoiar o status quo e a segregação social, demonstrando falta de conhecimento de causa para fazer um filme como esse, e sem isso, torna-se apenas um filme que debocha daqueles que provém de inúmeras comunidades como a de Selminha.