Victoria e Abdul – O Confidente da rainha pode até ser um simpático título que aparece no cinema vez ou outra. Algo leve que revela uma história diferente, um tanto quanto edificante e é capaz de fazer rir e chorar ao mesmo tempo. Assim, ao se deparar com Victoria e Abdul a grande questão é entender o que aquele filme teria de fato para mostrar, qual seria sua organização em torno de um exemplar sentimental tão reproduzido, como se o longa apenas se sentisse confortável em apenas reproduzir fórmulas e fatos.
E até pode ser verdade que nem todo filme necessite revelar algo novo, ou propor formas de expressão diferentes para seus objetos, mas a questão é entender como talvez uma fórmula sirva para petrificar um discurso, sendo possível tratar qualquer assunto da mesma forma, sem a mínima consciência do que ele significa. No caso, o longa parte de uma história recém descoberta que altera o discurso oficial, descobre-se que a Rainha Victoria, durante muito tempo, possuiu um conselheiro provindo da Índia, um homem que foi apagado da história propositalmente, como se a imagem póstuma da Rainha não pudesse ser manchada pela sua companhia indiana.
Victoria e Abdul foca então nessa relação entre a rainha da Inglaterra e seu mero súdito, um homem que vem de seu país com uma simples missão de servir em um jantar e acaba ficando pela corte, conquistando a confiança da rainha. Assim, o longa faz daquela história uma edificante narrativa de amizade, em que seres tão diferentes, pela sua geografia e pela sua condição social, conseguem se identificar. Essa com certeza é a maior força do longa, essa interação entre seres opostos, ou como um mero servo pode compreender aquela mulher no trono muito melhor que seus familiares. Essa relação afetiva é emocionante e faz com que o longa conquiste a atenção do público.
Fato é que o filme parece fazer de tudo para deixar sua obra num estado permanente de comodismo, onde todas suas opções fazem com que Victoria e Abdul fique sempre no formulaico, como se não houvesse verdade naquela narrativa. O longa poderia muito bem ser essa narrativa açucarada sobre amizade, no entanto há uma tentativa de enquadrá-lo num sentimento de relevância social, enquanto neste segundo ponto a sua potência política é sempre podado por esse formato cômico e dramático, o que evita o filme de aprofundar-se em suas questões.
Essas duas dimensões enfraquecem qualquer possibilidade de Victoria e Abdul conseguir mostrar seu valor, sua essência. Se aquele sentimento afetivo disputa espaço com essa relevância social, o filme apenas tenta conciliar essas dimensões tão opostas que fazem com que a obra fique nesse pragmatismo. É curioso como essa relevância temática é um grande tiro no pé do longa, fazendo com que o aparecimento histórico daquele personagem marginal seja na verdade um longa sobre a rainha, algo que descaracterizaria a rigidez do reinado da Rainha Victoria, marcado pelos anos mais duros do neocolonialismo. Essa narrativa conciliatória reforça uma visão da civilidade que existe apenas em terras inglesas, como se aquela condição de Abdul só pudesse existir naquele filme por causa da rainha.
Dessa forma, o apagamento daquele homem dos registros históricos não provoca nenhuma contradição no filme, como se a amizade existente no longa ainda reforçasse uma passividade entre metrópole e colonos. O fato de existir um indiano, muçulmano no meio da corte britânica em pleno século XIX é tratado como uma mera curiosidade. Algo que seria relevante até mesmo nos dias de hoje, vide afastamento da Inglaterra de questões humanitárias em relação aos refugiados, torna-se apenas um pretexto para criação de uma história de amor (ainda que uma amizade), entre figuras totalmente individualizadas. Aquilo acontece por causa de Victória e Abdul, não existindo nenhuma relação socialmente ampla entre a aproximação da rainha da Inglaterra e um mero indiano. Essa consciência social existente no filme parece estar ali só para validar alguma importância ao longa, mostrando-se sempre em um segundo plano.
Nesse meio termo entre o relacionamento afetivo e uma utilização um tanto quanto oportunista de um contexto político, Victoria e Abdul revela-se um filme frágil, um dos menos inspirados da carreira de Stephen Frears (A Rainha, Ligações Perigosas, Alta Fidelidade). Um título onde o diretor resume-se a ilustrar aquela história, construindo uma direção típica de telefilme britânico, focando em closes e numa aparente beleza das paisagens inglesas. Ainda que o trabalho do cineasta seja sempre acadêmico, aqui chama atenção como Frears não consegue ao menos impor um ritmo que ressalte a veia cômica do filme. O que resta é uma obra com cara de padronizada, seguindo o manual de uma narrativa extremamente açucarada com uma relativa importância social.
Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha é um filme que parece evitar qualquer vida em sua essência, revelando-se apenas fruto de uma formula vazia. O longa é fácil de conquistar, apenas pela sua relação afetiva, mas nesse jogo de formas, formulas e afetos é perigoso estar diante de um filme que mal planeja seu discurso e principalmente o que contém nele.