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Crítica | Halloween

Alguns clássicos raramente ficam intocados por Hollywood, e o icônico terror Halloween, de John Carpenter, com certeza não foi deixado em paz. Após uma dezena de filmes, incluindo sequências e remakes, lançados ao longo de 40 anos, uma nova revitalização chega aos cinemas com o aval de Carpenter e produção da Blumhouse Pictures. Também intitulado como Halloween, o novo filme é dirigido por David Gordon Green e conta com a volta de Jamie Lee Curtis ao papel que eternizou.

Com a proposta de reapresentar Laurie Strode (Curtis) e seu perseguidor Michael Myers sob novas lentes, Halloween ignora o(s) cânone(s) construído(s) ao longo das muitas sequências, de Halloween II a Halloween Ressurreição. Como sequência direta ao original de 1978, o filme roteirizado por Gordon Green, Danny McBride e Jeff Fradley pretende transportar o jogo de gato e rato para novos tempos, além de descartar os elementos sobrenaturais apresentados em capítulos como 4, 5 e 6.

Quatro décadas depois da traumática noite na qual se viu face a face com o assassino Myers, Laurie vive reclusa em uma casa fortemente protegida e com um porão cheio de armas. Afastada da filha (Judy Greer) e da neta (Andi Matichak), ela se vê obrigada a se reaproximar delas quando Myers, que estava detido em um hospício, escapa durante uma transferência para outra instituição. Sua fuga, é claro, coincide com a véspera de 31 de outubro, o Halloween.

Um fator que logo chama a atenção aqui é o contraste entre a paranoia de Laurie e a despreocupação de todo os outros personagens. Enquanto a mãe ficou cicatrizada para sempre e ainda sofre com isso, sua filha acredita piamente que vivemos em um mundo de “carinho e compreensão”. Enquanto isso, um amigo de sua neta acha que Michael, que matou um total de cinco pessoas entre o original e esse, não é nada demais para os parâmetros atuais de serial killers.

Este novo Halloween também brinca com os papéis ocupados por Laurie e Michael, mesmo que não tão frequentemente quanto poderia. Em uma de suas primeiras aparições, Laurie é revelada da mesma maneira com que o assassino era avistado primeiramente no original, e esse novo registro da personagem se repete em outros instantes do filme. Assim, o velho jogo de gato e rato, agressor e vítima, é chacoalhado e ganha algum frescor.

No entanto, se isso gera promessa de uma narrativa mais nuançada, Halloween acaba pecando por não explorar a psique de Laurie com profundidade. Além disso, a construção da personagem nem sempre é coerente ao longo de todo o filme, já que em um momento a protagonista defende que Michael Myers é caso encerrado e em outro expressa satisfação por vê-lo escapar do cárcere, apenas para que pudesse matá-lo. Afinal, ela está ou não preocupada com a segurança da família?

Na verdade, isso acaba nem importando muito, já que Halloween segue uma estrutura mais deslocada que o esperado. Por mais que os minutos iniciais apresentem bem o drama de Laurie, o filme passa a se perder com personagens coadjuvantes, especialmente quando chega o fatídico Dia das Bruxas. Pulamos de vítima aleatória em vítima aleatória, enquanto Laurie fica de escanteio por boa parte do tempo. Há certo mérito na maneira como o roteiro precede essas mortes, com momentos banais e muitas vezes cômicos, mas perde-se urgência por conta disso.

Já o que não deveria ser aprofundado e aqui é mantido assim são as motivações de Michael Myers, descrito como o mal encarnado pelo Dr. Loomis no primeiro longa. Os roteiristas, nesse caso, acertam em nem se dar ao trabalho de explicar “a forma”, preservando o mistério que torna o assassino tão perturbador. Vale notar também que Myers passa um bom trecho do filme sem sua máscara, mas nunca vemos seu rosto devidamente – e nem precisamos!

Ainda assim, a trama comete alguns tropeços e quase sabota seu vilão a certo momento. A maior escorregada vem na forma do Dr. Sartain (Haluk Bilginer), um pseudo Loomis – algo que o próprio filme reconhece -, que acaba sendo peça chave de uma reviravolta tola que não leva a história a lugar nenhum. Não é nada muito grave, mas é uma pena constatar que o tempo dedicado a esse arco poderia ter sido utilizado para fins mais relevantes, como a relação de Laurie com sua família.

Dirigindo seu primeiro terror, David Gordon Green tem resultados mistos após trilhar um caminho pelos dramas indie e mais conhecidamente pelas comédias stoner. Em certos momentos, Gordon Green consegue emular bem o ritmo paciente de John Carpenter, inclusive atingindo um ponto alto com um plano sequência em steadycam. Entretanto, conforme o longa avança, o cineasta vai perdendo consistência nas escolhas e com isso diluindo a identidade de sua sequência, que empalidece ao lado do original.

Como tributo, no entanto, Halloween se mantém respeitável. Por exemplo, aqueles que esperam por mortes espalhafatosas, mais alinhadas aos slashers atuais, podem sair do cinema um tanto quanto decepcionados. Não se enganem: há uma galeria de imagens gráficas e sanguinolentas, mas essa violência geralmente não é infligida em frente à câmera. É nessa escolha de esconder mortes para revelá-las depois que Gordon Green mais acerta e se aproxima de Carpenter.

Falando nele, o veterano do terror volta como compositor, ao lado do filho Cody e de Daniel Davies. Carpenter, que já criou uma boa parcela de temas icônicos ao longo de sua carreira, não reinventa a roda mas consegue atualizá-la bem, acrescentando mais camadas às faixas originais e criando uma boa mistura entre o retrô e o contemporâneo. Já Jamie Lee Curtis, única do original a voltar além de Carpenter – e Nick Castle como Michael Myers em certas cenas-, transcende o título de rainha do grito e traz uma nova imponência a Laurie.

Estranhamente, são Carpenter e Curtis os pontos altos de Halloween. Por isso, é interessante constatar que um filme sobre enterrar o passado não consegue se desprender do seu. A volta de Michael Myers e Laurie Strode aos cinemas conta com uma série de atualizações, mas o que mais funciona são suas heranças diretas de 1978. No fim, tem-se uma sequência que acaba ficando entre o nostálgico e o supérfluo, que satisfaz e decepciona ao mesmo tempo.

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