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Mostra SP | Crítica: Em Chamas

Foram oito anos de espera, mas finalmente foi lançado o mais recente projeto do autor Lee Chang-dong, o drama de mistério Em Chamas. Filme aclamado por grande parte da crítica especializada como um dos melhores do ano, que chegou a levar um prêmio do Festival de Cannes 2018 na categoria que diz respeito a direção de arte. Baseado em um conto chamado Barn Burning, no traduzido Celeiro Queimando, a obra do cineasta sul-coreano encontra-se abaixo em comparativo ao seu filme de 2010, a serena tragédia Poesia, que conta a vida de uma mulher sexagenária nos estágios iniciais de Mal de Alzheimer que encontra força e propósito em aulas de poesia.

O longa, em exibição na Mostra SP, narra os acontecimentos do encontro entre Jong-su, um entregador que no meio do serviço reencontra Hae-mi, garota que não via desde os tempos da infância. Quando a jovem pergunta a Jong-su se ele poderia cuidar de seu gato enquanto estiver fora, em uma viagem à África, ele aceita a tarefa, mas não imaginava que ao retornar de sua viagem, voltaria acompanhada de Ben, um homem rico e enigmático. Assim, tem início um triângulo que vai afetar a vida de todos envolvidos.

É fato que Em Chamas de Chang-dong é uma obra complexa, longa, de temas variados, dentro de dois tipos de gêneros cinematográficos. Logo, a pergunta que fica é se neste emaranhado de conceitos, dinâmicas e linhas narrativas existe um filme funcional? A resposta: em partes.

Ao final das longas duas horas e meia de Em Chamas, fica claro a divisão da obra em duas partes, que podem ser definidas, superficialmente, de: com e sem Hae-mi. A única personagem feminina, de construção e tratamento, no longa do diretor sul-coreano exerce uma função na primeira metade do filme, e outra na segunda parte, sem ser ela a protagonista, que no caso é Jong-su, papel de Yoo Ah-in.

Nas desigualdades, o filme selecionado pela Coreia do Sul para a cerimônia do Oscar 2019 pode ser comparado a Sem Amor do cineasta russo Andrey Zvyagintsev. Ambos almejam de maneira arrojada, colocar na mesma mesa aspectos sociopolíticos e a subjetividade do ser humano perante suas experiências pessoais. Se, o longa russo na maior parte, falha em juntar estes aspectos de maneira assertiva e fluente, a obra sul-coreana também comete algumas faltas ao exprimir o que pensa ou sente com mais firmeza, algo que está diretamente relacionado à proximidade da fronteira entre Coreias.

Então, se estes grandes desníveis não estão no campo temático sociopolítico ou pessoal, onde está o problema? Definitivamente, na transmissão via cinema de gênero.

Quando Em Chamas, parte da programação da Mostra SP, é um filme de mistério, ou suspense, o que acontece na segunda metade, pouco faz além de apontar o óbvio. Lendo a sinopse da obra já é possível chegar a tal conclusão, pois existem apenas três personagens em todo o enredo com algum desenvolvimento narrativo. Assim, quando um destes desaparece, e o outro faz a função de “herói” da história, sobra apenas um para ser o foco de todo o “mistério”. Lee Chang-dong tentou fazer um suspense, sem peças o suficiente para tal.

E, considerando a construção erguida em relação a Ben, interpretado por Steven Yeun, de um estereótipo já usado no cinema, inclusive de maneira mais criativa, como em O Peste, comédia estrelada por John Leguizamo, ou no terror O Albergue de Eli Roth. Também, pouco cooperam algumas exposições de roteiro no longa, relacionadas ao personagem de Yeun, ou até diretamente no eixo central narrativo.

Mesmo com alegorias criativas, e sem deixar pontas soltas relacionadas ao mistério da parte final, Em Chamas só é realmente efetivo no campo dramático. Menos na cara, mas muito mais meditativo.

A real força na história contada por Lee Chang-dong está na relação insociável de Jong-su e seu pai, um homem temperamental e briguento enfrentando acusações na Justiça, relacionadas a este tipo de comportamento. Mais evidente fica perceber este elo falho entre pai e filho, quando aparece em cena, por um breve momento, a mãe do protagonista sumida por muitos anos, tentando se aproximar de Jong-su, hoje, toda sorridente e brincalhona.

O cineasta sul-coreano nos diz que o ódio está sempre prestes a flamejar quando estamos perto da fronteira do medo e da irracionalidade, mas se contradiz, pois indica que a ira humana, pode vir de qualquer fonte. Ao final, Em Chamas apenas consegue nivelar Jong-su e seu pai, e o que queima dentro de cada um.

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