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Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 3

Finais de trilogia tornaram-se sinônimo de emoções inchadas, duros aprendizados e grandes despedidas. Quase dez anos depois de seu primeiro capítulo chegar aos cinemas, Como Treinar o Seu Dragão 3 tem a missão de amarrar não só sua trilogia cinematográfica como todo seu universo canônico, que se expandiu também para a televisão, fazendo a transição entre a era dos dragões e tudo o que veio depois. Isso implica uma etapa agridoce na duradoura amizade entre o humano Soluço e o dragão Banguela, que hora ou outra deverão seguir caminhos diferentes, portanto esperava-se que o novo longa seria o mais fatídico até então.

Por mais que Como Treinar o Seu Dragão 3 faça, de certa forma, o que é esperado dele em sua conclusão, a narrativa se comporta de maneira bastante casual e bem-humorada. A trama nos reapresenta a Soluço (Gustavo Pereira) e Banguela em mais um dia de suas vidas, agora resgatando dragões de caçadores e levando-os para a cidade de Berk, mais colorida do que antes e provavelmente povoada por mais feras do que humanos – faltou apenas uma placa contabilizando os seres. Pode-se dizer que Soluço se tornou um verdadeiro “pai de pet”, daqueles que colecionam animais em sua casa, porém com uma diferença: sua residência é um reino inteiro, e o volume cada vez maior de criaturas traz maiores inconveniências.

A princípio, a dificuldade que surge na convivência entre humanos e dragões parece ser o ponto narrativo central do longa, construído de forma espirituosa o bastante para garantir risadas ao mesmo tempo em que indica que o sonho de Soluço por um mundo harmoniosamente coabitado por homens e feras é inviável, preparando bem o terreno para a conclusão. Essa questão, no entanto, não seria o bastante para sustentar uma aventura inteira em longa-metragem por si só, portanto o roteiro de Dean DeBlois inclui outros elementos no enredo tanto para preencher a duração quanto para amarrar ou reconhecer detalhes apresentados nos capítulos anteriores.

Enquanto Soluço aprende a ser rei e a reconhecer que seu interesse pessoal de manter os dragões em Berk pode não ser o mesmo de seu povo ou até do próprio Banguela, surge no horizonte o vilão Grimmel (Márcio Simões, evocando seu Hades para um personagem esteticamente similar), um caçador de dragões que, na sua sede de poder, quer capturar e controlar as feras – especialmente Banguela, um raro fúria-da-noite. Embora o arco de Grimmel tenha potencial para ser um tipo de espelho rachado para o que Soluço também faz, a presença do vilão acaba servindo para introduzir uma ameaça que, por sua vez, apenas justifica a ocorrência de cenas de ação e combate na trama.

Por sua vez, os flashbacks com o Rei Stoico (Mauro Ramos), pai de Soluço, não tem muita consequência na trama mas servem bem na função de ligar este longa aos anteriores e, é claro, emocionar. Contudo, alguns desses trechos trazem atenção para outros elementos que ficaram faltando, como a participação da mãe de Soluço, Valka (Martha Cohen). É estranho constatar que, após o longa anterior trazer a descoberta de que a mãe estava viva de forma tão catártica, a participação da personagem seja tão limitada aqui, havendo pouquíssimos diálogos entre ela e o filho – Valka, numa triste ironia, passa o longa todo empurrando Astrid (Luisa Palomanes) para falar em seu lugar e convencer Soluço a tomar uma decisão ou outra. Talvez Cate Blanchett, voz original da personagem, tenha enfrentado conflitos de agenda para dublar mais cenas – quem sabe?

Isso pode significar que Como Treinar o Seu Dragão 3 não emociona tanto quanto poderia, mas o longa ainda faz um bom trabalho nesse aspecto, principalmente no que mais deveria importar: a emancipação de Soluço e Banguela. Nesse caso, o roteiro faz uma decisão inteligente de garantir arcos individuais aos dois. Não só é abordada a dificuldade que Soluço tem de governar sem seu dragão, como o desejo que Banguela passa a ter de seguir seu próprio caminho, quando descobre uma fêmea da mesma espécie. Esse último arco, que poderia ter sido o mais batido de todos, é o que dá o ar da graça dessa vez, garantindo alguns voos vertiginosos e bons momentos de humor, destacando-se a tentativa de acasalamento dos dragões – bem quando a trilha de John Powell, novamente majestosa, volta a ganhar destaque.

A conclusão é agridoce como se espera, mas não pesa a mão, mostrando-se menos preocupada em arrancar lágrimas do que exaltar o que havia de especial na dupla, que deixam saudades apesar dos longos hiatos entre cada filme. Os personagens, sim, estão todos com os olhos marejados neste momento, o que nos leva a algo que Como Treinar o Seu Dragão 3 tem de muito especial: o refinamento na animação, especialmente em detalhes menores como esse, que no fim fazem toda a diferença ao nos convencer de que aqueles são seres de carne e osso. Os momentos de ação também são deslumbrantes, com um trabalho excepcional de escala e movimento de câmera, mas a atenção às mínimas expressões novamente destaca o porquê da Dreamworks Animation ter conquistado, há um tempo, aclamação similar à da Pixar.

Além de convencer na emotividade, o refinamento visual de faces e gestos também é usado para elevar o aspecto humorístico do filme, dando uma expressividade exagerada às criaturas e aos humanos que garante alguns pontos simplesmente preciosos, como o monólogo da tagarela Cabeçaquente (Lina Mendes) dentro de uma cela. Chega a ser surpreendente, aliás, como o filme distribui seu tempo entre todos os personagens de alívio cômico, sendo dos três filmes o mais focado no humor. Isso, por sua vez, reforça a sensação de desconjuntamento entre as demais partes do longa, fazendo uma média entre a atmosfera de um simples episódio da série de TV, mais leve e descompromissada, e o segundo capítulo lançado nos cinemas, mais sombrio e carregado em ares de fantasia épica.

Com direito a um casamento brega que remete a O Retorno do Rei, Como Treinar o Seu Dragão 3 certamente tem seus momentos climáticos para agradar os fãs dos longas anteriores – muitos dos quais já são marmanjos, já que são nove anos de franquia. A animação da Dreamworks pode não ser um acerto completo e nem levar às lágrimas – falo por mim, pois os narizes fungando eram audíveis na sessão de imprensa -, mas é sempre bom ver uma franquia de qualidade ganhando um final respeitável. No meio de tantas tentativas fracassadas de levar um universo de fantasia à frente – olá, Máquinas Mortais -, quem diria que personagens com os nomes Soluço e Banguela chegariam ao fim dessa maratona?

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