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Crítica | A Caminho de Casa

Filmes protagonizados por cães e gatos começam à frente da concorrência para capturar imediatamente a empatia de seus espectadores. Mesmo quem não é exatamente um amante de animais pode conectar com a figura de um, mas especialmente com caninos e felinos pela presença significativa em domicílios. A Caminho de Casa, longa baseado no livro de W. Bruce Cameron (o mesmo de Quatro Vidas de um Cachorro), aposta novamente nesta capacidade de empatia diante desses animais, dentro de uma história de aventura que cruza o solo norte-americano – similar ao célebre A Incrível Jornada -, mas não é capaz de esconder suas fragilidades por detrás da fofura.

Como nos outros longas baseados nos livros de Cameron, a trama é contada da perspectiva de um canino. Desta vez, a protagonista / narradora é Bella, uma pequena pitbull que é resgatada de um terreno abandonado pelo gentil Lucas (Jonah Hauer-King). Antes disso, foi criada no meio de uma família de felinos, sendo inclusive amamentada pela gata mãe que chama de, esperem, Mãe Gata. Com um pouco de atenção, neste começo nota-se já a mensagem de alteridade que o filme construirá ao longo dos próximos noventa minutos. Já que a cidade de Denver, Colorado, onde o filme é ambientado, possui uma política de restrição a pitbulls, Bella é forçada a ir para outro estado e ficar longe de seu dono.

A cadelinha, é claro, não entende as circunstâncias e sai em busca de seu dono, caminhando de volta em direção a Denver. Para isso, ela deve cruzar centenas de quilômetros. Como se sabe, os EUA são um país vasto e portanto cheio de diferenças culturais e políticas ao longo de seus mais de cinquenta estados. Embora A Caminho de Casa não explore isso tão a fundo, até porque o longa é mirado em um público de crianças mais generalizado e cubra apenas uma pequena porção do mapa estadounidense, o aspecto mais promissor do roteiro assinado por Cameron e Cathryn Michon está na visão ingênua que a protagonista tem do mundo que percorre.

Essa ingenuidade se dá considerando que um canino não possui mesmo entendimento que um humano, e os roteiristas contornam bem certas questões que, aos olhos de um cachorro, não são tão facilmente entendidas. Quando não conta com humanos para comentar os temas de forma um tanto óbvia e constrangedora – “isso é racismo canino”, diz uma personagem sobre a expulsão de Bella -, o longa dirigido por Charles Martin Smith é capaz de introduzir elementos pertinentes e inéditos a esse tipo de produção infantil com sutileza, como por exemplo a presença de um casal de homens gays que cuidam brevemente da canina, dando visibilidade sem tratar como elemento narrativo – as crianças talvez nem percebam.

A Caminho de Casa também aposta na sugestão para abordar temáticas inesperadamente sombrias e delicadas, ao ponto de que certos trechos possam ser um pouco soturnos demais para espectadores mais novos. Em um certo trecho, Bella é adotada por um veterano de guerra (interpretado por Edward James Olmos) que, sem teto, morre de frio em um canto remoto. A cachorrinha, acorrentada ao corpo do homem, passa dias com fome e sede. É um acontecimento devastador, que o filme não martela mas traz com peso, sendo algo que pode chocar os desavisados. Além disso, cria-se nisso um paralelo com a atenção recebido pelos veteranos de guerra em Denver – que usam Bella para tratamentos terapêuticos.

Porém A Caminho de Casa não valoriza o poder de suas imagens e situações como poderia. O uso da voz over de Bryce Dallas Howard para descrever os pensamentos de Bella é redundante, com um didatismo exagerado até mesmo quando consideramos o foco em um público infantil. As falas são escritas da forma mais simplificada possível, vindo à tona para preencher momentos de silêncio que poderiam ter sido belos ou mesmo explicar algo que já está muito claro na tela. A entrega de Howard também erra a dose, mais parecendo uma narração para aquelas coletâneas de vídeo exibidas na TV. Fora que isso cria uma disparidade radical de tom com os momentos mais dramáticos que citei.

Por outro lado, lembram que também mencionei felinos? Assim que Bella adota uma pequena puma que acaba de ficar orfã, tem-se uma história adequada de amizade, que inclusive é transmitida visualmente. Destacam-se os planos zenitais, de cima para baixo, com os dois animais dormindo juntos, que rimam com imagens do início com Mãe Gata e demonstram a passagem do tempo através do crescimento da Puma. Simples, mas eficiente. Todos os felinos aqui, inclusive, despedem-se da mesma forma, sumindo num virar de ombros, o que permite uma boa running gag. Mas apesar da graça, há um grande porém: a puma é construída inteiramente em CGI, e a qualidade dos efeitos visuais não é das melhores, criando uma distração assim que dá as caras.

Por mais que a sonoplastia trabalhe bem o ronronar e outros ruídos emitidos pela gata, sua presença física nunca é convincente o bastante. O envolvimento com ela se deve mais à simpatia que criamos através de sua trágica história – Bambi sempre emociona. Outros animais também são animados em computação em outros trechos, resultando em momentos como uma caótica – ou, mesmo, mal-executada – luta entre Bella, a amiga puma e uma matilha de lobos. Porém o uso mais embaraçoso de efeitos digitais é aplicado em um humano: em um momento climático, há uma lágrima digital que corre o rosto do dono Lucas, reforçando uma dificuldade em evocar emoções sem recorrer a artifícios.

No fim, esses artifícios batem de frente com quaisquer intenções honestas que A Caminho de Casa possua, demonstrando uma falta de confiança em suas próprias capacidades dramáticas. Há sempre alguma intervenção, digital ou sonora, para tornar o sentido de cada cena mais mastigado possível – com aquelas certas exceções. O encerramento do longa, por sua vez, depende demais de conveniências que poderiam ter surgido antes, resolvendo os problemas das personagens, porém são descaradamente deixadas para a última hora apenas para que o filme acontecesse. São coisas que talvez passem despercebidas ao espectador encantado com os bichos em tela, mas que devem ser farejados de longe pelos menos entusiasmados.

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