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Crítica | Velvet Buzzsaw

Logo na sua estreia sentando na cadeirinha de diretor, Dan Gilroy quis mostrar a que veio, e isso aconteceu tipo uma voadora com dois pés na porta! Em 2014, lançou O Abutre, estrelando Jake Gyllenhaal em um de seus grandes papéis na carreira, e ainda permanece sendo seu melhor trabalho como autor de cinema. Mas, vale denotar que muito do que foi visto no seu debute, resiste em seu mais novo longa, o terror Velvet Buzzsaw em seu primeiro trabalho com a Netflix. Aqui, assim como em O Abutre, Dan Gilroy continua a retratar o outro lado da cidade de Los Angeles: sua face mais obscura.

A produção original da provedora mundial via streaming nos revela os bastidores do mercado da arte e comércio que é surpreendido quando uma série de obras artísticas de um pintor desconhecido são descobertas alterando a vida de críticos, consultantes e curadores do mundo das artes. Todavia, o trabalho do artista misterioso de modo sobrenatural busca se vingar daqueles que permitiram que a ganância e o dinheiro entrassem no caminho da verdadeira arte.

É inegável que existe muito arrojamento, além de criatividade, no atual projeto de Dan Gilroy para a Netflix. Assim, é uma pena que todo esse material de grande inspiração, na hora da prática, tenha saído ligeiramente desigual. Velvet Buzzsaw pega três vias diferentes: primeiro, o distanciamento e presunção presentes na área da crítica especializada, aqui mais especificamente nas artes plásticas; segundo, a transformação rápida da arte em negócio, onde ter exclusividade ou mais material de um certo artista que outro expositor te coloca em uma posição de maior poder; e terceiro, uma forma de terror sobrenatural do tipo justiceiro da arte.

Tamanha a profundidade destas discussões e também a complexidade dos assuntos, é de se imaginar que a obra de Gilroy faria bonito na hora da prática. Não necessariamente! Pois, faltaram dois elementos nessa mistura que elevariam mais o material, também escrito pelo autor do filme, que são uma sagacidade maior na hora da crítica satírica ao lado mais pomposo e afetado deste mundo, e também uma propensão mais aguda, intensa enquanto caminhando pelo absurdismo, seja do terror ‘gore’ ou pelo humor peculiar impresso nas obras do cineasta.

Velvet Buzzsaw, visualmente falando, é mais do que capaz de cativar o espectador nessa batida de ingredientes que parecia improvável resultar algo palpável, porque há talento e muita audácia no cinema de Gilroy, vide O Abutre com inspirada construção de personagem e tratamento desta, onde foi entregue um Jake Gyllenhaal assombroso, deste modo que seu personagem é um tipo ‘faça você mesmo’ com enorme senso de empreendedorismo, além de um sonhador, que desliza pela amoralidade e psicopatia sem perder o foco de seus objetivos.

Portanto, o problema em Velvet Buzzsaw da Netflix não foi por falta de intento, e mais por não apunhalar com mais força, e depois torcer a faca, especialmente quando são tratadas as vaidades dos chamados críticos especializados em certas áreas, ainda mais estes envolvidos em formas de expressão artística, seja artes, música, cinema, etc. Apenas ressaltar as inseguranças do crítico esnobe interpretado por Gyllenhaal não foi suficiente dentro de um material que abrange todo um compacto de ideias díspares.

Isso vale também na sátira à arte contemporânea, contundente na caricatura mas distante de fazer valer algum ponto como uma crítica socioeconômica real, diferentemente do longa The Square: A Arte da Discórdia de Ruben Ostlund que não teve amarras, e descambou na zombaria grosseira para fazer seu argumento de maneira segura e muito chocante ao mesmo tempo.

No quesito terror ‘slasher’, Velvet Buzzsaw não faz feio. Dado que existe uma criatividade e harmonia nas cenas de morte no longa de Dan Gilroy, especialmente uma na parte final que envolve uma corrente de cores que se misturam pelo piso de uma galeria.

No elenco, todos se saem minimamente bem em suas versões caricatas, com destaque para a atriz Rene Russo, esposa do diretor do filme. Apenas Zawe Ashton apresenta um trabalho pavoroso em Velvet Buzzsaw, sempre muito acima do tom.

É bom persistir com o cinema de Dan Gilroy, já que o autor tem muito a dizer, principalmente nessa versão de uma Los Angeles sombria, mesmo que à luz do dia. Pode-se dizer que Gilroy vê Los Angeles como Martin Scorsese vê Nova York: encharcada de infortúnios e desamparada.

Só é bom Gilroy lembrar que as vezes não basta pôr sal na ferida, também é necessário esfregar para arder mais.

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