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Crítica | Dumbo

Dumbo, a animação original de 1941, é uma maravilha da simplicidade. Não só os traços, as cores e as figuras eram tão sucintas, como sua trama era extremamente objetiva sobre a busca de um pequeno elefante orelhudo por sua mãe. Ainda assim, foi e é capaz de emocionar o mais cínico dos adultos. Isso até gerou uma boa piada – talvez a única – na comédia 1941 de Spielberg, com um general durão que se derrete e chora rios assim que assiste a marcante cena com Baby Mine.

Dumbo, a adaptação live-action de Tim Burton, foge dessa mesma simplicidade. Apesar do título carregar o nome do elefante, o filme de Burton com roteiro de Ehren Kruger decide passar boa parte de seu tempo desenvolvendo a história de humanos antes de sequer apresentar o animal. Atendendo ao clichê mais do que recorrente do pai viúvo que irá passar por provações para ter o amor dos filhos, Holt Farrier (Colin Farrell) volta da guerra para encontrar o circo onde trabalha sem o brilho de outrora.

O local, que se destacava pelas apresentações com animais, não tem sequer uma égua para cavalgar. Os únicos bichos restantes são um macaquinho malandro e uma elefante que logo descobrem estar prenha. Com o nascimento do filhote Dumbo, o mandante do local Max Medici (Danny DeVito) vê a oportunidade de explorar os dotes de voo do animal de orelhas largas para promover seus novos espetáculos, mesmo que isso vá contra a vontade do inocente bicho e de outros circenses.

Nesta primeira seção do filme, que dura cerca de cinquenta minutos a uma hora, Burton e Kruger fazem uma adaptação da história original mas quase que estritamente sob a ótica dos humanos. Isso significa que não vemos tanto o elefante quanto gostaríamos, e até mesmo o emblemático momento de Baby Mine é estranhamente discreto e apagado, perdendo também a força ao colocar a canção na boca de uma coadjuvante que mal conhecemos. Não esperava animais falantes, mas era isso o que tinham na manga para recriar um momento tão emblemático?

Não se pode dizer, no entanto, que não há nenhum capricho técnico à mostra. A fotografia de Ben Davis, esmaecida e quase sempre banhada no degradê do céu crepuscular, e o bom emprego da correção de cor tornam cada imagem em um agrado simples mas especial, remetendo aos melhores momentos de Burton antes do excesso que abraçou em Alice. Os efeitos digitais, então, são praticamente impecáveis na construção dos animais, especialmente Dumbo, desde que se aceite sua aparência cartunesca em meio aos elementos mais realistas.

Porém todo o capricho do mundo não é capaz de esconder a falta de alma da dramaturgia com humanos, mecanicamente conduzida. Todos os membros do elenco parecem agir no piloto automático, talvez com exceção de Danny Devito – para ser sincero, o homem deve ser carismático até quando dorme. A entrega robótica de Colin Farrell, Nico Parker e Finley Hobbins, que compõem a família de protagonistas, cria um distanciamento dramático que prejudica o engate emocional. É apenas pelo fim da primeira metade, com o surgimento de V.A. Vandevere (Michael Keaton) e Colette (Eva Green) em cena, que as coisas começam a ficar um pouco mais interessantes.

Com a chegada do magnata interpretado por Keaton, que quer trazer Dumbo ao catálogo de atrações de seu enorme e futurista parque, o filme passa de adaptação direta a uma sequência, embora mantenha o elemento da busca de Dumbo pela mãe até o final da narrativa. Nesta passagem para algo novo, nota-se que a versão se encontra muito mais à vontade para oferecer uma aventura inventiva e mais preocupada com os aspectos lúdicos da história original.

Burton, antes limitado ao ambiente mais simplório e enxuto do circo Medici, brinca dentro de uma pseudo-Disneylândia e oferece um bom número de setpieces, compondo situações únicas dentro de locações específicas. O picadeiro, com plataformas que sobem às alturas, é palco para os voos de Dumbo e um gracioso show de bolhas dançantes, melhor momento da trilha de Danny Elfman. A Ilha do Pesadelo também é digna de nota com seus visuais mais macabros – nisso o toque de Burton fica aparente. O design de produção, mais do que tudo, é o grande destaque da obra e alcança um grau satisfatório de criatividade.

Mas, no fim das contas, sente-se que Dumbo poderia aproveitar mais de seu personagem central e focar menos nos fracos dramas de seus humanos, representados com constante desânimo pela família principal. O vínculo do animal com a mãe, o suposto coração do filme, é atenuado pela decisão de colocar a expressão das emoções sob o encargo da (falta de) humanos inexpressivos. Sua conquista do voo / autonomia, temática enfatizada verbalmente pelo vilão de Keaton, também é menos impactante por ser tão artificialmente postergada na trama.

Contudo, o encerramento da nova obra não deixa de ser belo, merecendo reconhecimento por ir bem além do que se espera ao praticamente iconizar a figura de Dumbo como um sinal de esperança para os explorados, os domados, os que não tem condição de se defender porque, para começo de conversa, não atendem nem entendem os mesmos valores morais deturpados da humanidade. Pena que o filme de Burton perca tanto tempo com ela até decidir que Dumbo é sua verdadeira estrela.

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