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Crítica | After

Muitos filmes de romance, principalmente aqueles focados no público adolescente, tendem a colocar certo peso no poder transformador de um grande amor, pontuando o antes, o durante e, em alguns casos, o depois deste grande episódio. Como seu título já sugere, After infere desde o início que a vida de sua protagonista será transformada de forma radical pela chegada de uma nova paixão. Para ser levado com sucesso à tela, este processo, no entanto, necessita comover não só seus personagens, mas o espectador, algo que não ocorre com um filme tão apático em concepção e execução.

After se baseia no livro homônimo de Anna Todd, e vale dizer que tal publicação se originou de uma fanfiction – escrita, olhem só, em tributo a Harry Styles do One Direction. Não posso falar nos méritos do livro, mas nota-se na versão cinematográfica uma imaturidade narrativa típica desse estilo de escrita. São detalhes diversos que revelam uma falta de aprofundamento de suas personagens, seu mundo, sendo tudo descrito em linhas gerais, ou melhor, genéricas. After, em especial, é um dos exemplares YA (young adult) que mais sofrem com essa falta de especificidade, tentando mascará-la por trás da beleza estética.

Isso é perceptível já desde a apresentação da protagonista e narradora, Tessa Young (Josephine Langford), uma jovem caloura que põe seus pés pela primeira vez numa grande universidade. Comprometida com um amor de infância e filha única de uma mãe corretinha (Selma Blair), ela se vê tentada logo que conhece seus colegas acadêmicos, sendo cativada logo de cara por Hardin (Hero Fiennes Tiffin), um jovem de postura rebelde e, é claro, com um sotaque britânico. Sabemos, por conta do voice over e das imagens idílicas que abrem o longa, que Hardin será uma figura especial na vida de Elizabeth.

Antes de discorrer sobre quão não-especial o sujeito aparenta ser na visão do roteiro de Susan McMartin e da diretora Jenny Gage, deve-se ter em conta o que faz uma trama dessas funcionar, por assim dizer. Existem etapas, indo desde uma primeira tentação (a primeira vista), a uma aproximação (o primeiro date) e enfim uma recompensa (o primeiro beijo), que formam um arco convencional mas possivelmente funcional em um romance. Funcional, claro, desde que essas etapas se cumpram em um ritmo adequado e natural. Em sua primeira meia-hora ou até menos, After se atropela para apresentar o mundo individual da personagem e ainda essas deixas, queimando a largada sem depois conseguir manter o pique.

Por conta da pressa, tudo fica com uma atmosfera de fantasia, de “bom demais para ser verdade”, que torna o decorrer da história incômoda, como se estivéssemos perdendo algo. De fato, isso é em parte justificado posteriormente, mas é algo que cria uma certa contradição entre as duas intenções principais do filme. After precisa tanto dessa apreensão quanto necessita do envolvimento emocional com seu par romântico central, e e as duas coisas nunca casam. Às vezes, nem mesmo o filme parece decidido quanto às emoções que quer causar com determinadas cenas, ficando sempre num meio termo e nunca vendendo o porquê de nos conectarmos com a narrativa apresentada.

Aquela mencionada falta de maturidade da escrita, então, é o que condena After a ser uma experiência quase insuportável para os não-convertidos ou não-familiarizados com o material original. Personagens e acontecimentos são mencionados via diálogos expositivos sem ter participação efetiva no desenrolar da trama, até que repentinamente são tidos como essenciais. A relação trágica de Hardin com seu pai, o reitor da Universidade onde ele e Tessa estudam, é truncada em uma curta cena sem nunca gerar algum conflito crucial no enredo. Mesmo os sentimentos dos protagonistas se limitam a frases bonitas e poses diretamente retiradas de um Tumblr.

Aquele incômodo de antes, então, culmina em uma reviravolta tola e facilmente superada pelas personagens, o que volta a botar em questão essa transformação que o longa procura enfatizar. Tessa e Hardin começam praticamente como terminam: ela apaixonada, ele um rapaz britânico. A beleza dos dois ainda se confunde por química amorosa, que é quase nenhuma. Até mesmo a decisão do direção de arte em atribuir paletas frias a Tessa e quentes a Hardin, mais eficientes em evocar uma interferência do último na vida da primeira, passa a desaparecer conforme o longa avança. O sexo, inédito na vida de Tessa, também é retratado sem entusiasmo, em cenas curtas e comportadas – dentre as quais vemos o oral mais rápido do mundo. Se O Maravilhoso Agora, de James Ponsoldt, compôs uma proposta semelhante com assombro, este está mais para o Indiferente Depois.

Langford e Fiennes Tiffin, filho do talentoso Ralph, são infelizmente incapazes de sustentar um romance tão diluído. Ele, em especial, se destaca de forma negativa, confundindo o estoicismo cínico de Hardin com uma completa inexpressividade, ao ponto de fazê-lo parecer um sociopata – funcionaria em uma narrativa de suspense / terror, mas não um romance. Já ela mostra maior potencial, mas tem de se contentar com uma personagem rasa em níveis quase ofensivos. A garota, por exemplo, larga mão dos estudos e de qualquer perspectiva para passar dias inteiros com seu “boy magia” – ela não poderia conciliar o amor com o resto de sua vida? Convenientemente, o rapaz é rico e pode sustentá-la!

Portanto, After não é tanto um longa sobre transformação ou a fuga da zona de conforto, e sim o contrário. O sucesso de Tessa está em encontrar um homem que a acomode entre mil confortos e mimos em troca de um amor obsessivo, não muito diferente do que se via em Cinquenta Tons de Cinza. A acomodação também parece ser o lema geral da produção, que usa de uma fotografia rebuscada e músicas teen estilosas para dizer a seu público que aquilo tudo é belo e desejável, não importa quão genérica ou questionável a situação ou o desenvolvimento de suas figuras. É exatamente como navegar em um Tumblr, através de gifs e stills de modelos acompanhadas de frases prontas para alimentar fantasias de garotos e garotas sem novas perspectivas senão suas mais antiquadas fantasias.

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