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Crítica | De Pernas pro Ar 3

Lançado sete anos após o segundo longa da franquia, De Pernas pro Ar 3 pode aparentar como uma tentativa tardia de tirar leite de pedra, de fazer mais alguns trocados com uma marca esquecida e talvez irrelevante. Então vem o carisma de Ingrid Guimarães: com ele, algum sucesso é comprovado, mas seria o bastante para sustentar mais um capítulo na história de Alice e sua rede de lojas Sexy Delícia? Além disso, já que os anos passam e muita coisa muda, como tratar de suas temáticas sem soar como um produto antiquado?

Bom, para começar, Guimarães não está sozinha nesta tentativa de tornar De Pernas pro Ar relevante uma última vez. Da cadeira do diretor, sai Roberto Santucci e assume Júlia Rezende, uma escolha que se prova bastante acertada, primeiro porque a cineasta vem conquistando seu espaço pela flexibilidade entre tons e demandas diferentes, e segundo porque De Pernas pro Ar 3 decide abordar mais a fundo as nuances que vem com o fato de centrar-se, desde sempre, em uma personagem feminina autosuficiente e cuja prioridade é o trabalho.

A trama assinada por Guimarães, Rene Belmonte e Marcelo Saback toma como ponto de partida a aposentadoria voluntária de Alice. Atendendo aos pedidos do marido João (Bruno Garcia), que na carência deseja uma reaproximação dela com a família, a CEO da Sexy Delícia deixa a companhia sob o encargo da mãe Marion (Denise Weinberg) e volta para sua casa com os fins de recuperar o tempo perdido. No entanto, quando Leona (Samya Pascotto), uma jovem empreendedora, surge no mercado de brinquedos sexuais com uma proposta inovadora de realidade virtual, Alice se incomoda com a concorrência, e seu tempo inativa não será tão tranquilo quanto esperava.

Nota-se uma variedade de elementos que enfatizam o maior interesse deste terceiro filme em explorar a feminilidade de sua protagonista, incluindo as incertezas e os estereótipos que ela implica. Se Alice fez do trabalho uma espécie de realização, sente-se culpada por se deixar levar pelo prazer do ofício. Se parece ter “zerado a vida” ainda em seus quarenta anos, sente-se velha e ameaçada pela garota mais jovem que também trilha um caminho próprio. Apesar de servirem às ocasiões cômicas, nenhum desses detalhes é deixado por isso mesmo e, para a satisfação, são endereçados com sinceridade e inspiração – “isso é velho, não você”, diz Leona quando descobre os motivos da protagonista.

A disposição de uma comédia comercial como essa em abraçar a verdadeira identidade de sua protagonista seria algo digno de se comemorar por si só, mas De Pernas pro Ar 3 impressiona pela capacidade de conciliar essas suas ambições com a proposta de oferecer uma comédia despretensiosa. As piadas, que são muitas, ganham efeito dentro de um contexto coerentemente estabelecido. Se não estão relacionadas com seus temas, são ao menos construídas com atenção no roteiro. Há bons usos de foreshadowing – a cadeira que o marido projeta no início do longa, a falta de memória de Alice quanto ao local de uma premiação e a realidade virtual são pontos construídos com recorrência.

Sob a direção de Rezende, uma cineasta mais arrojada entre diferentes tons de comédia e que demonstra cuidado até mesmo em seus projetos de apelo popular – triste ter que atestar isso -, tudo em De Pernas pro Ar 3 é melhor dosado que a média que se vê neste tipo de longa. A estrutura adotada pela montagem enfatiza a variedade das situações cômicas e lugares, o uso da mise-en-scene é convencional mas respeita o timing do elenco e do texto – não há dureza nos diálogos e nem um ar frouxo de improviso, mas um equilíbrio. Os momentos mais dramáticos, então, não soam descartáveis e também contam com um capricho, como as DRs paralelas que se invadem através dos cortes e eixos de câmera similares.

Longe de torná-lo excepcional, o bom nível técnico e dramatúrgico do trabalho ao menos alivia as incongruências inevitáveis que surgem dessa negociação entre as intenções de agradar o gosto de todos e falar da realidade de alguns. Constrói-se uma mensagem de empoderamento e, principalmente, sororidade entre Alice e sua “concorrente” Leona, mas apesar de bem entregue, ela passa algum tempo ofuscada entre dramas menores e mais fúteis como, por exemplo, o sentimento de abandono de seus parceiros, tratado às vezes com pé no chão e em outras como algo realmente crucial – prioridades. O saldo ainda assim é bastante favorável ao discurso que se busca.

Sem a necessidade de dizer que Ingrid Guimarães continua o poço de carisma que sempre foi – e entrega tanto na graça quanto no drama -, De Pernas pro Ar 3 é a rara ocasião em que um produto volta ao mercado com claros sinais de adaptação e evolução. Além de comprovar uma persistência promissora de Júlia Rezende em realizar trabalhos divergentes com qualidade constante – não sou um grande apreciador de Como é Cruel Viver Assim, seu longa anterior, mas o respeito pela bola fora da curva que é -, a comédia chega para ter sucesso no que se propõe: fazer o público rir e celebrar o legado de sua ilustre protagonista.

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