Filmes

Crítica | Espírito Jovem

Se o termo “filme playlist” faz algum sentido, ele pode ser aplicado para descrever Espírito Jovem, estreia na direção do ator Max Minghella, que foca na ascensão de uma jovem cantora interpretada por Elle Fanning. A comparação com uma playlist se dá de mais que uma única forma, já que, além do longa apostar em uma colagem praticamente ininterrupta de faixas musicais que atravessam sua simples narrativa, há consistência entre as faixas escolhidas, todas na estética do pop. Mas assim como uma playlist fácil e casual, também não há grandes ousadias ou novidades através de seus temas tão familiares.

Apesar dos neons, planos rigorosos e uma aura soturna que remetem ao cinema “de grife” de Nicolas Refn, Espírito Jovem cumpre uma premissa mais palatável que as exploradas pelo dinamarquês: a história de superação. Como nos demais filmes de “underdog”, musicais ainda – Flashdance é uma referência explícita aqui -, somos apresentados à protagonista Violet (Fanning) em frustração com a realidade de classe trabalhadora na Ilha de Wight, Inglaterra. A mãe (Agnieszka Grochowska) é emocionalmente distante, e o fantasma do abandono paterno assombra as duas. Quando abrem as inscrições para uma competição de canto em um programa de TV, o Teen Spirit, Violet vê uma possibilidade de fuga.

O caminho para essa fuga é igualmente tradicional: Violet encontra uma espécie de figura paterna no alcoólatra Vlad (Zlatko Buric), um “mosca de bar” que revela ter sido um tenor prestigiado no passado e se dispõe a ajudá-la na prática de canto, desde que receba sua fatia como “agente”. Como esperado, a garota voa alto nas provas e passa por provações cada vez maiores, o que colocará a relação com o mentor e também sua determinação em seguir seus sonhos ao teste. Nesta fase de queda, a trama finalmente aparenta caminhar em uma direção mais questionadora dos desejos materiais dos protagonistas, sugerindo uma tentativa dos dois de suprir o sentimento de abandono.

Contudo, Espírito Jovem mantém essas temáticas como meras possibilidades, e não as desenvolve plenamente por tentar, no fim das contas, cumprir com a obrigação de ser um crowd pleaser como outros exemplares de seu tipo. Dada a forma por vezes sufocante do filme e até mesmo o contexto social e psicológico no qual as personagens estão inseridas, a contradição do longa de Minghella torna-se ainda mais acentuada que em outras obras justamente por realçar o contraste entre as escolhas de direção e composição dos atores, e as escolhas de roteiro, também assinado pelo cineasta estreante.

A começar pela estrutura elíptica ou até mesmo “videoclíptica” do enredo, a história de Violet é contada igualmente com um frescor objetivo quanto com uma carência substancial de aprofundamento psicológico. Neste último campo, o desenvolvimento de seus traumas de abandono e a relação com a mãe está reservado aos trechos musicais do longa, como se tudo fosse um clipe de Sia, enquanto a história de fundo de Vlad e o distanciamento de sua filha é apresentada por uma página de pesquisa na internet. Há detalhes suficientes para conferir peso ao elo familiar entre Violet e Vlad, mas fora desta relação falta substância, inclusive aos interesses românticos.

Porém, se falta essa substância, a abordagem compensa-se na objetividade. E nesta objetividade se encontram, também, as escolhas mais subversivas que Minghella apresenta nesta sua estreia, principalmente nas transições que marcam o período de testes para o Teen Spirit. A montagem de Cam McLauchlin atinge um frenesi quase hipnótico ao fragmentar-se em uma série de cortes rápidos, todos ditados pelo compasso da música de fundo eletrônica, e ainda estabelecendo uma relação diegética com o que ocorre em tela – a faixa E.T., de Kate Perry, passa por uma engenharia reversa radical para acomodar os testes de canto dos jovens competidores.

Embora esporádicas, outras escolhas estéticas refletem com eficiência as temáticas mais empobrecidas no texto. Por exemplo, no momento em que Violet e Vlad se encontram diante de um televisor que exibe uma cena de diálogo entre um pai que pede perdão a sua filha atormentada, Minghella aproveita o eixo de tal cena para, além de “rimar” as duas situações, estabelecer um diálogo entre as personagens na TV com a dupla diante dela – ao final da curta e discreta cena, o homem na tela pede perdão não só à filha que abandonou, como para Violet, outra abandonada. O longa brilha em ocasiões como esta, porém se limita demais à sugestão na discussão do abandono – o que enfraquece o clímax no show.

Novamente, como uma playlist de conforto, a fórmula de Espírito Jovem nunca deixa de agradar, mas soa excessivamente familiar em seu enésimo replay, e mesmo as boas interpretações de Fanning, que inclusive canta quase todas as faixas, e Buric, que fez seu nome na franquia dinamarquesa Pusher e aqui atua contra o estereótipo, são dadas o dever de sustentar personagens tipificadas. Sem arranhar muito além da superfície, a estreia de Minghella fica como bom cartão de chamada, principalmente se possuir planos para direção de videoclipes, mas deixa seus talentos como roteirista e argumentista menos evidentes. Por outro lado, se as músicas de Grimes, Robyn e Ellie Goulding são do seu agrado, não será um desafio se deixar levar.

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