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Crítica | Abominável

Apesar de muitas vezes miradas em um público infantil mais jovem, animações ocidentais geralmente percorrem uma corda bamba já que apoiam-se em dois fatores: boas intenções e simplicidade nas ideias. É praticamente garantido que a obra tenha seu funcionamento com o público alvo, mas ainda há a possibilidade de soar simplório até mesmo aos pequenos quando a fórmula se mastiga demais. Abominável, nova animação da Dreamworks em co-produção com o estúdio chinês Pearl Studio, gosta de sua clareza tanto quanto um Yeti ama a mais branca neve.

A introdução da trama e das personagens ao menos tem seu frescor – não é uma mais outra piada com o frio. Além de apresentar o “abominável” Yeti do título de uma perspectiva diferenciada em primeira pessoa, que deve surtir um maior impacto visual na versão 3D, as personagens humanas tem como diferencial a cultura da qual provêm – a chinesa -, que se reflete em alguns rituais cotidianos, suas vestimentas e traços visuais. O que mais surpreende, contudo, é o tratamento dado à protagonista Yi neste prólogo, deixando em aberto suas motivações.

Antes que o filme revele a conexão entre o jeito de ser de Yi com o objetivo de sua viagem à estátua do Grande Buda, a garota é apresentada com boa dose de ironia e sagacidade. Questionada pela mãe e a avó sobre sua ausência frequente de casa, supõe-se que a adolescente passa seu tempo com um namorado ou amigos. Não muito comum à cultura ocidental, Yi na verdade passa horas a fio executando uma meia dúzia de empregos diferentes, como cuidadora de cães, babá e até mesmo lixeira, reproduzindo a tradicional busca pela perseverança.

Este início de arco da protagonista passa a ter menos tempo de desenvolvimento e consequências na trama assim que a garota cruza caminho com o Yeti, que ferido e assustado é acolhido por Yi e ajudado em seu objetivo de voltar para casa no topo do Monte Evereste. Como o destino da viagem planejada por ela se encontra na trajetória da lendária montanha, Yi une forças com o bicho e parte em sua jornada, sem contar com as forças misteriosas que estão na cola da criatura. E como não poderia faltar, ela ganha o apoio de dois vizinhos, Jin e seu pequeno irmão Peng, que despontam como os alívios cômicos obrigatórios.

A partir deste ponto, Abominável não evita a previsibilidade, que vai um pouco além da conta. Mesmo o Yeti, criatura que esteticamente se diferencia de outros mascotes recentes, comporta-se de maneira mais segura do que se espera. Conhecido como um monstro selvagem, é de se esperar que seria amenizado para uma obra infantil, mas acaba perdendo muito de suas características quando transformado em mero fator de fofura. Apenas os minutos iniciais criam algum atrito entre suas facetas selvagem e mansa, interessante ambiguidade que se perde no caminho.

Como é possível adiantar muito do que ocorre na trama, incluindo sua conclusão, Abominável agora se sustenta basicamente pelo deslumbre visual típico destas animações de estúdio, usando do variado pano de fundo asiático para proporcionar algumas imagens cativantes. Os pontos altos ficam com os momentos de mais dinamismo, como o show de luzes que permite a fuga de Yi e seu Yeti em Shanghai ou um verdadeiro mar de flores amareladas cujas ondas são manipuladas pelos poderes mágicos da fera. De resto, não fascina, mas também não destoa muito.

Mesmo com este maravilhamento, não há como deixar de notar que esta é uma obra mais básica do que se vê no mercado de animações de grande estúdio. Nisso, deve-se ressaltar que, enquanto plenamente capaz de fazer seu trabalho, não alcança o nível de espetáculo de um Como Treinar Seu Dragão ou qualquer produto recente da Dreamworks. Aqueles que não se importarem com isso, no entanto, podem respirar aliviados quanto à experiência de menor impacto, que investe menos em ação e deve ser mais acessível às crianças pequenas.

As mais velhas, então, devem estar abertas a uma obra mais simples, com clima de TV matinal. Simplicidade pode de fato ser um aspecto sedutor nestes tempos com durações inchadas e um impulso em provocar reflexões mais profundas no espectador, portanto aqueles cansados de sair aos prantos de sessões de cinema podem ficar tranquilos. É irônico pensar que, em época de obras adultas provocadoras, o alívio maior esteja em baixar a guarda para as infantis, que de forma sorrateira derretem a alma mais endurecida. Àqueles que querem um respiro, Abominável proporciona uma brisa gelada como a dos Himalaias.

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