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Crítica | El Camino: A Breaking Bad Film

É sempre um risco brincar com perfeição, e Breaking Bad é uma das realizações mais perfeitas que o audiovisual americano atingiu nos últimos anos. Procure qualquer lista que traga as melhores séries de todos os tempos e certamente encontraremos a jornada de Walter White para se tornar o criminoso Heisenberg lá, sendo uma das raras produções televisivas que manteve seu alto padrão do primeiro frame até seu excelente final. Precisaria ser louco para se arriscar a mexer em uma obra-prima, mas Vince Gilligan é um homem que gosta de arriscar, afinal já o tinha feito com a série derivada Better Call Saul, outro grande acerto.

Mas o derivado sobre o advogado de Bob Odenkirk traz menos riscos: afinal, estamos falando de uma história que é 90% um prelúdio da história principal, protagonizada por um dos coadjuvantes. Quando Gilligan aparece de surpresa com El Camino: A Breaking Bad Film para literalmente continuar os eventos que foram amarrados com laço em 2013, a situação é bem diferente; ainda mais por trazer o co-protagonista Jesse Pinkman em destaque.

A trama começa imediatamente após os eventos de Felina, episódio final de Breaking Bad. Jesse está escapando em um carro El Camino após ter sido libertado por Walter White (Bryan Cranston) do cativeiro de um grupo de supremacistas, onde era forçado a cozinhar metanfetamina por meses. Com a polícia em seu encalço, já que ele foi o parceiro de Heisenberg durante toda sua operação, Jesse procura antigos aliados e contatos a fim de conseguir dinheiro, que poderia lhe garantir uma chance de sobrevivência e uma forma de recomeçar sua vida.

Isso é o máximo que podemos falar sem spoilers, e também sem entregar toda a trama do roteiro de Gilligan, que não é nada complexo. É uma linha reta em sua maior parte, e que o diretor e roteirista mantém em mistério graças à ausência de muitos diálogos: demora cerca de 40 minutos para que o espectador entenda o que exatamente Jesse procura, e a bagagem de ter assistido a série mostra-se recompensadora por começar a indicar respostas, o que também esboça um sorriso no rosto do fã quando as inevitáveis aparições de personagens e locais conhecidos começam a brotar. Poderíamos dizer que El Camino é um grande fan service, já que não apresenta uma história tão original e sólida, dedicando-se mais ao estudo de Jesse em seu estado pós-traumático.

O que atrapalha o rumo da história acaba sendo a perceptível tentativa de alongá-la mais do que o necessário, O grande exemplo fica com os desnecessários flashbacks que mostram Jesse ao lado de um de seus captores, o psicopata Todd (Jesse Plemons). São sequências que carecem da tensão pretendida por Gilligan, já que quem assistiu à série sabe exatamente como o destino daqueles dois personagens se desenrola, e não acrescenta nada de novo ou empolgante em relação ao universo da série, servindo como um “filler” para que El Camino não tenha apenas 90 minutos de duração. Mas vale dizer também que existem outros tipos de flashbacks aqui, de menor duração, que complementam melhor a ideia que Gilligan segue em seu roteiro.

Em quesitos visuais, El Camino segue a tradição impecável de Breaking Bad. Trocando as cores dinâmicas e contrastadas por uma paleta mais fria e melancólica, Vince Gilligan mantém seu amor por faroestes modernos e composições elaboradas, pintando uma Albuquerque que raramente vimos na série – mais próxima do episódio Granite State, que também se mostra um dos mais importantes para se revistar antes de conferir o filme, e que garantem belas com o diretor de fotografia Marshall Adams.

O clima de perseguição é bem presente, com os planos abertos e quase voyeurísticos em torno de Pinkman dando a constante impressão de o personagem estar sendo observado. E se comentei de faroeste, há uma cena aqui que escancara completamente a intenção de Gilligan em trazer uma abordagem moderna do gênero, sendo até curioso que Breaking Bad nunca tenha feito essa cena, especificamente.

Mas, claro, quem segura o filme todo praticamente sozinho é o sempre excelente Aaron Paul. Desde os segundos iniciais, já vemos a intensidade de Pinkman e o trabalho meticuloso do ator em expressar toda a insegurança e medo do jovem após seu período em cativeiro. O que vemos nas 2 horas que se desenrolam é uma performance silenciosa, bem diferente do energético rapaz que gritava “Yeah Bitch!” e que demonstram um amadurecimento notável de Paul e de seu personagem. E, falando como fã roxo da série, não poderia ter ficado mais contente com o desfecho que Gilligan finalmente trouxe ao personagem.

El Camino não é muito relevante para a mitologia geral de Breaking Bad, uma série perfeita por si só. Temos um fan service caprichado em termos de direção, diálogos e principalmente as diversas participações que vão aquecer os corações dos fãs, além de oferecer um desfecho mais concreto para o Jesse Pinkman de Aaron Paul. Uma obra que não se arrisca, mas que não estraga a obra-prima da televisão. Um epílogo satisfatório.

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