Filmes

Crítica | Ela Disse, Ele Disse

Após ter seu sucesso na televisão e estrelar um número de produções infantojuvenis populares, Maísa Silva tornou-se chamariz para o que quer que fizesse parte assim em diante, portanto era de se esperar que a jovem estrela ocuparia permanentemente a posição de protagonista. Apesar de apostar em sua presença como meio de atrair o mesmo público, Ela Disse, Ele Disse é a primeira dessa safra de obras a apresentá-la como coadjuvante, dando a outros profissionais mirins uma chance de brilhar.

Adaptado do livro homônimo de Thalita Rebouças, outro nome rentável dentro desta categoria cinematográfica, Ela Disse, Ele Disse acompanha dois jovens protagonistas: Rosa (Duda Matte) e Léo (Marcus Bessa), ambos passando pelos primeiros dias de aula em uma nova escola. Ao longo de algumas semanas, os dois fazem novos amigos, criam algumas inimizades e buscam formar suas identidades devidas no local, enquanto nutrem, em segredo, um interesse romântico mútuo.

Este núcleo da narrativa é conduzido de início com alguma graça, beneficiando-se principalmente do carisma suave de Bessa. Embora previsível, a maneira como o roteiro de Rebouças e Tati Ingrid Adão vai gradualmente aproximando as duas personagens possui uma leveza e uma simplicidade que tornam mais fácil o embarque na história. A fórmula é a de sempre: os dois se conhecem, ocorre alguma relutância de início e, até que enfim, admitem o interesse recíproco. Tudo nos devidos conformes.

Porém esse núcleo mais funcional passa a ser mal segmentado através de um quadro geral indeciso, mesmo que bem intencionado. Em paralelo à aproximação de Rosa e Léo, há a contextualização da escola com suas personagens coadjuvantes, entre elas Júlia (Maísa), que a princípio encarna o papel de patricinha-mor. A abordagem de Júlia cria uma discussão louvável sobre auto-aceitação já que, por mais fútil que possa ser, a personagem também acaba alvo de preconceitos pela autoconfiança exagerada e estima com a aparência.

Isto se reflete sobre as inseguranças de Rosa, que frequentemente compara seu corpo ao de Júlia e por isso sente-se menos merecedora do interesse dos meninos ou do restante da escola. O atrito das duas pode começar um tanto bobo, já que gira essencialmente em torno da disputa pelo interesse de Léo, mas em seguida ficam claras as intenções de Rebouças em trazer uma discussão sobre sororidade e os malefícios de reduzir alguém à sua aparência superficial – e a importância de deixar que isto se prove diferente.

O que impede estas intenções de se concretizarem de forma mais plena é a confusão estrutural na adaptação às telas, que não consegue unir seus arcos originalmente alternados tão bem. Enquanto o romance de Rosa e Léo flui mais naturalmente – ao menos na primeira parte -, a relação dos colegas com Júlia, a redenção desta e a participação da diretora do escola, Madalena (Maria Clara Gueiros), são muito subdesenvolvidas apesar da importância que possuem para o desfecho.

O desnível é tamanho que, a um certo ponto, o longa tem de abandonar seus protagonistas por alguns bons minutos para aprofundar todos estes fatores no primeiro plano, criando uma nova trama central que soa ao mesmo tempo interessante como premissa única e completamente deslocada do que já veio antes. Ela Disse, Ele Disse quer oferecer tanto uma trama microscópica, que tem seu enfoque em personagens específicas, quanto uma macroscópica com mensagem mais geral, porém nunca consegue unir os dois naturalmente.

Como havia indicado antes, nem mesmo o romance central escapa de problemas específicos. Na falta de um conflito maior no percurso de Rosa e Léo, ou algo que de fato impeça seu amor de se concretizar, Rebouças cria complicações que, se plausíveis em uma obra literária mais longa e detalhada na descrição psicológica das personagens, aqui soam como contratempos descartáveis, como a protagonista que de repente passa a afastar Léo por uma situação que pode facilmente se resolver: a suspensão do colégio por quatro dias.

Resta uma confusão bem intencionada, de atmosfera ágil e leve – a diretora Cláudia Castro faz uma boa estreia nos cinemas – e coração farto. Alguns ótimos momentos também surgem aqui e ali, como a ida ao cinema de Rosa e Léo na companhia da prima do garoto ou o discurso final de Maria Clara Gueiros para os alunos, e ajudam a produção a se destacar. Mas não há como negar que Ela Disse, Ele Disse poderia contar com uma adaptação mais cuidadosa e redonda, já que em certos instantes beira a incoerência.

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