Filmes

Crítica | A Grande Mentira

No rolar dos créditos finais de A Grande Mentira de Bill Condon ficará uma sensação gostosa de que acabou de ver um filme, muito mais do que satisfatório. Completo, talvez seja a palavra que se encaixa aqui.

Óbvio, que nenhuma obra é completa, e capaz de abordar tudo o que há, de maneira alguma. Porém, a produção encabeçada pelo diretor americano de 64 anos não se contenta com pouco, e entrega mais do que indicava a receita, mesmo com todo o aspecto modesto que o enredo apresentava, fazendo jus ao título.

A Grande Mentira nos introduz Roy Courtnay (Sir Ian McKellen), um vigarista da terceira idade que encontra seu próximo alvo em Betty McLeish (Dama Helen Mirren), recentemente viúva e dona de uma fortuna. Mas, com a aproximação dos dois, o que poderia ser apenas mais um golpe de Roy, transforma-se em um poço profundo onde não se sabe na realidade quem é o grande mentiroso.

A versão brasileira do título, A Grande Mentira, cai bem; assim também como na versão original The Good Liar – traduzido literalmente como O Bom Mentiroso. E, por que ambas fazem sentido?

Na nossa versão dá-se a ideia do todo, de que atrás das cortinas se esconde a maior das mentiras apresentadas; enquanto no original, estabelece-se um conceito de competição, ou seja, quem é o melhor em contar mentiras. Bill Condon ampara muito bem ambas as frentes.

Esse clima dual, já é encontrado nos créditos iniciais da obra de Condon, quando temos ambos os protagonistas mexendo em seus perfis de sites de relacionamento, enquanto aparecem os nomes e funções de membros da produção. No entanto, o primeiro determina a noção de modernidade (laptops), ao passo que os escritos dos créditos que lembram fonte de máquina de escrever em papel antigo indicam algo velho. Desta maneira, novo e provecto se misturam, deixando uma aura de dúvida sob os protagonistas.

Muito habilidoso é o roteiro de Jeffrey Hatcher, dado que este instaura o mistério por maneiras diferentes para cada um dos personagens. Por Roy, sabemos desde o começo que ele é um golpista de talento, ainda assim, ao longo da trama vamos descobrindo cada vez mais e mais sobre ele, e pelas habilidades cativantes de McKellen não é fácil discernir qual sua verdadeira história. Em contrapartida, Betty deixa claro que ela é mais do que os olhos podem ver, mas a pergunta é: o que estamos vendo, afinal?

As motivações de Roy são sempre claras, aplicar o golpe que deixará Betty de mãos abanando; agora, a idosa é um enorme ponto de interrogação em A Grande Mentira.

Já que estamos falando de aparências: entra Bill Condon.

O cineasta que tem um currículo cheio, de produções grandes (A Bela e a Fera) e independentes (Sr. Sherlock Holmes, Kinsey – Vamos Falar de Sexo), de acertos (Dreamgirls, Deuses e Monstros) e erros (A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1 e 2), fez mais que a encomenda nesta produção. Há muito mais em A Grande Mentira do que uma história de dois idosos – e suas máscaras – que se aproximam vivendo juntos sob o mesmo teto.

O que cativa no longa de Condon é o fato de seu filme carregar uma leveza, que não se fará presente nos momentos derradeiros. Surpreende o quão profundamente trágico se torna essa história. E, dentro disso, o texto complexo de Hatcher, somados a extrema elegância com que Bill Condon filma, fazem da obra uma jornada prazerosa, de transições que poderiam estilhaçar a experiência. Contudo, a sutileza e sensibilidade do cineasta americano falaram mais alto.

E, olha, A Grande Mentira não falou pouca coisa, não. Existem algumas ramificações, como: o evento da mentira sendo desmantelado inexoravelmente; a frieza crescente que acomete o espírito de uma pessoa mentirosa; ou de que cada mentira tem um preço, e a conta sempre chega no final – nesse momento, a atriz veterana Helen Mirren mostrará uma colher de chá inglês de seu talento cômico.

Todavia, no centro de tudo, revela-se o tema primordial: a incompleta cicatrização de uma ferida. Se o encanto da performance sarcástica – e muito à vontade – de Sir Ian McKellen nos magnetiza; no final, são as lesões internas de Betty que iremos testemunhar, e a Dama Helen Mirren mostra via minimalismo cirúrgico que, como disse Diablo Cody no ótimo Tully (2018), garotas não se curam.

A vida segue em frente, e encontra-se alegria e bem estar, porém, um trauma é um trauma. O chacoalhão do passado, reverbera incessantemente.

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