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Crítica | A Hora da Sua Morte

Um aplicativo que informa ao usuário o momento exato de sua morte. Por escrito ou em voz alta, este conceito pode parecer simplesmente ridículo ou carente de qualquer credibilidade. Embora corresponda a essa primeira descrição, ridículo, o “terrir” A Hora da Sua Morte desafia no entanto as noções de que seu conceito não teria nada de inerentemente interessante a dizer. O medo da morte, afinal, é o mais comum de todos, e não há quem tenha se indagado antes sobre o paradoxo que seria criado por nossa consciência da hora em que iremos morrer.

A partir de um prólogo introdutório, o roteirista e também diretor Justin Dec delimita as regras centrais de seu terror, justificando a agência de assombrações e entidades da obra a partir de um conjunto de etapas. Caso desrespeitem os termos e acordos do aplicativo, que insistem ao usuário que este não tente de forma alguma mudar seu destino após estar ciente do horário de sua morte, as personagens enfrentarão então um fado pior nas mãos de uma figura sombria, ou ainda pior que isso, de espíritos vingativos com as faces de entes queridos.

O conceito é claramente absurdo, talvez até complicado demais, e apesar de Dec reconhecer isto, o cineasta o faz demasiadamente tarde na obra, quando passa a trocar o tom de terror mais puro por outro que se encontra entre o horror e a comédia, por vezes pesando a mão nos elementos de paródia para introduzir alívios cômicos como o demonólogo empolgado e o atendente sarcástico de uma loja de eletrônicos – ambos interpretados por comediantes, P.J. Byrne e Tom Segura. Outras personagens, no entanto, não acompanham o mesmo tom.

A protagonista Quinn (Elizabeth Lail), sua irmã Jordan (Talitha Bateman) e o rapaz Matt (Jordan Calloway) parecem todos habitar uma outra dimensão da obra, onde os temas de luto e arrependimento surgem bem mais carregados. Através deles são introduzidas pequenas subtramas acerca de perdas familiares passadas, com as quais a entidade responsável pela criação do aplicativo provoca suas vítimas, mas nenhuma delas sequer apresenta peso substancial para estimular um envolvimento emocional com tais personagens.

São as competentes interpretações, contudo, que conseguem despertar alguma simpatia pelos arcos, especialmente a performance equilibrada de Elizabeth Lail. Encarregada ainda de protagonizar um arco paralelo envolvendo o assédio sexual institucionalizado, Lail mostra confiança no papel para muito além das circunstâncias mais ordinárias que compõem sua personagem – a garota é enfermeira, irmã mais velha e… sabemos apenas disso. Fica cada vez mais claro que o componente de maior importância neste tipo de terror é sua protagonista.

Em meio a todos estes esforços e a esse excesso de objetivos no roteiro, temos todavia uma peça frágil: uma entidade que pouco assusta. Não bastando a pobreza visual com que é apresentado, vestindo um manto de tecido claramente sintético e relegado a posições estáticas – sua fantasia parece certamente complicar qualquer movimentação -, o demônio depende de um leque inconsistente de táticas para assombrar suas vítimas, já que, para além das explicações de sua origem, não é clara a natureza de sua influência na diegese.

Como dito antes, o projeto demora a encontrar o equilíbrio tonal necessário para manter o comprometimento do espectador ao conceito, e isso resulta em uma metade final superior, porém extremamente apressada. Personagens e tramas são descartados de forma tão repentina que despertam uma reação cômica, esta não intencional, enquanto o humor se prova apenas como um paliativo aos exageros do roteiro, mesmo que leve a uma singela “punch-line” ao final, na moda dos filmes de terror teen noventistas – esta ideia pede por Wes Craven.

Apesar de não se comprometer totalmente ao tom farsesco que o eleva periodicamente, A Hora da Sua Morte ao menos representa um tipo de “fita” de terror que está lentamente retornando à superfície, seja pela sátira direta – o divertido Terror nos Bastidores – ou pela mistura de diferentes gêneros – a recente franquia A Morte Te Dá Parabéns. Mesmo a franquia Premonição, acostumada ao ridículo, teve seu melhor capítulo no quinto, justamente aquele que abraçou as complicações de seu conceito sem levá-lo tão a sério.

Por abordar uma questão de tamanho peso a cada indivíduo com algum grau de autodivertimento, o filme de Justin Dec é indeciso quanto ao tom, não assusta tanto assim e não faz um pingo de sentido racional, mas ao menos consegue deixar uma impressão e suscitar alguns pensamentos sobre os benefícios e desvantagens de evitarmos aquele que é o spoiler definitivo para toda a nossa vida.

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