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Crítica | A Última Coisa que Ele Queria

Em 2017, a jovem cineasta americana Dee Rees alcançou a superfície da indústria cinematográfica hollywoodiana. O irregular Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi percorreu a temporada de premiações 2017/18 chegando a faturar alguns prêmios, e conseguiu quatro indicações ao Oscar, inclusive. Após o sucesso de dois anos atrás, fica sempre a expectativa para o próximo projeto. Mas, é de se lamentar o que acabou saindo.

Está disponível ao assinante Netflix A Última Coisa que Ele Queria, o mais recente “thriller” político de Rees. Baseado no livro homônimo de Joan Didion, o longa “conta” a história da jornalista investigativa Elena McMahon (Anne Hathaway) que abandona a cobertura da campanha presidencial de 1984, que tenta reeleger o atual presidente Ronald Reagan para um segundo mandato, quando seu pai enfermo Richard Dick McMahon (Willem Dafoe) lhe pede para que cuide de uma de suas transações. Desta maneira, Elena cai em uma intriga internacional que envolve a política americana e operações secretas. A jornalista insiste em revelar quem são os jogadores desta trama e as causas desta turbulência enquanto tenta escapar viva dos perigos entre os poderosos envolvidos.

Lendo a sinopse temos a impressão de este ser daqueles thrillers emocionantes e instigantes até o caroço. Doce engano.

É árdua a tarefa de descrever o que vemos em A Última Coisa que Ele Queria, pois por quase toda a integridade da produção Netflix, não é possível saber o que está acontecendo. Isso acontece devido a um roteiro – escrito por Dee Rees e Marco Villalobos – estrambolicamente picotado. À parte um fragmento de uns dez minutinhos, após a metade da projeção, tudo o que temos é um grande embaralhado de cartas e personagens dispostos de maneira desconexa. Tais escolhas apenas estabelecem um fio narrativo completamente anticlimático. Não apenas para o suspense, mas para qualquer coisa que se queira dizer ou mostrar.

Para se ter uma noção: os vinte e cinco minutos iniciais simplesmente atropelam e despejam entulhos de informação ao assinante Netflix, que precisa fazer uma mini curadoria em sua linha de raciocínio, para mais a frente perceber que nada dali tinha algum valor narrativo.

O texto de Rees/Villalobos permite ao espectador notar o que está acontecendo em cena. Porém, todos estes acontecimentos e elementos parecem jogados pelo enredo, como um livro que alguém voluntariamente arrancou algumas dessas páginas, e depois entregou de volta para ler. Em resumo: A Última Coisa que Ele Queria é definitivamente incoerente, ininteligível como forma narrativa fílmica.

E, este é o maior lamento de todos, já que é explícito o que a cineasta Dee Rees quis forjar nessa história.

A diretora mirou ninguém menos que Roman Polanski nesta produção original da Netflix. O idolatrado (e também odiado por razões extracurriculares) autor de cinema franco-polonês ganhou notoriedade por enredos que elevavam a temática dos chamados ‘prisioneiros voluntários’, ou seja, ele retratava personagens que podiam em algum momento escapar da dor, do conflito, e optavam ficar por escolhas pessoais.

Na obra de Rees, observamos que esta escolha indica a preservação da árvore genealógica da protagonista, que busca acertar com o passado, para tentar manter algo em seu futuro, para si e a quem ama.

A construção e tratamento da personagem interpretada por Anne Hathaway apresenta dotes inegáveis no papel. Na prática, a atriz de 37 anos de idade precisa fazer um esforço grande para tentar convencer o assinante Netflix. É possível até questionar a capacidade da protagonista como repórter investigativa, de modo que se mostra ingênua, ou tola demais para exercer tal cargo.

A ganhadora do Oscar por sua performance no épico musical Les Misérables (2012) tem sido uma montanha-russa, em anos mais recentes. Fazendo acertos, como o pretensioso – e ótimo – Calmaria (2019), ou o muito competente O Preço da Verdade – Dark Waters (2019); e erros, tipo a comédia insossa As Trapaceiras (2019), e agora, o destrambelhado A Última Coisa que Ele Queria.

Fica a torcida para que a diretora Dee Rees também consiga mais estabilidade em sua carreira. Se o citado Polanski já errou feio em suspenses com o risível Baseado em Fatos Reais (2017), eventualmente, a cineasta também poderá acertar a mão como ele fez no incitante O Escritor Fantasma (2010).

Para isso, basta pegar o que foi feito nesta produção original Netflix, e fazer o contrário em sua próxima aventura cinematográfica. Uma dica: sempre fique atenta(o) para que sua história mostre-se como algo coerente ao espectador. Isso já é um começo.

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