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Crítica | Ad Astra: Rumo às Estrelas

CONTÉM SPOILERS

Ad Astra, o mais novo filme de James Gray, possui muito em comum com o longa anterior do cineasta, o ótimo Z: A Cidade Perdida. Além de serem ambos filmes de exploração, tanto este quanto Z possuem protagonistas melancólicos cujas obsessões eclipsam as respostas que já estão debaixo de seus narizes. As jornadas que os afastam de suas famílias já são, de certa forma, um destino, e o maior desbravamento ocorre em um plano psicológico ou mesmo espiritual. Vale notar ainda, por mera curiosidade, que Brad Pitt iria estrelar Z, antes de ser substituído por Charlie Hunnam.

No decorrer de Ad Astra, o major Roy McBride (Pitt) se vê em meio em uma complexa teia que envolve os feitos de seu pai Clifford (Tommy Lee Jones), capitão de uma expedição em busca de vida alienígena que nunca mais retornou desde sua partida há mais de trinta anos. Eventos recentes, no entanto, indicam que o astronauta desaparecido está vivo e é o responsável por uma série de sobrecargas elétricas catastróficas pelo universo, então a Roy é atribuída a missão de estabelecer contato e encontrá-lo para que tais ocorrências tenham um fim. É apenas o futuro de todos em suas mãos.

Mas assim como as motivações do Comando Espacial que o convoca não são inteiramente claras, a conexão pessoal de Roy com sua missão poderia deturpar seu cumprimento. Em paralelo com os conflitos internos de Roy, o longa o apresenta em sua jornada como um estrangeiro em uma série de novos lugares, dando a cada um destes um contexto que o protagonista – e o público – não conhecem muito bem. Roy se mantém alheio às questões externas mencionadas, como as lutas por recursos na Lua, e sua visão se afunila sob a premissa de ver seu pai novamente.

Em sua superfície, Roy não se mostra impactado nem pela variedade de eventos dos quais faz parte, mesmo aqueles mais inusitados. Um instante específico, que joga com nossas expectativas dentro do gênero sci-fi, é aquele no qual Pitt e o capitão da nave que o transporta atendem a um pedido de socorro aleatório e encontram, dentro de uma estação científica à deriva, uma dupla de babuínos ferozes que os atacam. Ironicamente, a este ponto da ficção-científica no cinema, a visão destes animais no espaço surpreende mais do que, digamos, a possível aparição de um alienígena grotesco.

A resposta de Roy a estes acontecimentos surge quase sempre internalizada, criando uma espécie de vácuo entre o protagonista e o restante das personagens, que entram e saem de cena sem qualquer garantia de vida. Esta frieza externa é o que alimenta a melancolia de Ad Astra, e rege grande parte de suas interpretações, em especial a de Brad Pitt. Acostumado a encarnar figuras pomposas, Pitt surpreende com seu domínio deste papel, construído através de micro-expressões e gestos singelos que sugerem muito mais do que o olho vê.

Seu grande momento, e talvez aquele que defina o coração de Ad Astra, é a tentativa de Roy para entrar em contato com o pai através de uma cabine de som. Não só esta cena sintetiza a fragilidade da relação entre pai e filho, que mal se conhecem e guardam muito pouco em comum além de serem ambos astronautas, como revela quão delicado é o trabalho de Pitt em construir um exterior estoico e, de vez em quando, abrir pequenas frestas para deixar escapar emoções genuínas. É uma entrega distinta daquela vista em Era Uma Vez em Hollywood, mas que, assim como ela, indica o quanto o ator maturou sua arte.

O diretor Gray, que além de Z realizou um leque de obras admiráveis como Amantes e Era Uma Vez em Nova York, escolhe abordagem semelhante e, ao apostar em grande parte do tempo numa sobriedade opressora, pontualmente evoca algumas imagens e cenas poderosas, como aquela em que Roy e seu Clifford brigam presos a um cabo de oxigênio, distantes e próximos conforme o pai se propulsiona para longe e o filho o puxa para perto. Gray pode estar em novo solo, mas continua hábil em sua materialização dos dramas mais íntimos e humanos em imagens emblemáticas.

É uma pena, contudo, que Ad Astra conte tanto com a presença de voz off para explicitar os sentimentos internalizados de seu protagonista. Boa parte desta narração falha em escapar de obviedades, e certas vezes chega a irromper o silêncio que tornava o longa tão atmosférico. Talvez com receios de alienar parte dos espectadores, que esperam uma aventura ágil e se surpreenderão com algo muito mais contemplativo, executivos de estúdio tenham solicitado a Gray mais instâncias desta narração expositiva. Fica a dúvida quanto às intenções originais do autor.

No fim de tudo, ainda assim, mesmo estes textos explicativos não invalidam os triunfos que Ad Astra atinge da sua própria maneira intimista, mantendo-se como um ponto bastante fora da curva no atual circuito de cinema. Negando as típicas respostas do gênero sem deixar de fornecer uma conclusão própria, que está mais aparente do que pensamos, o longa captura a questão essencial de nossa busca por respostas e seres vizinhos: a incapacidade de aceitar que muito provavelmente estamos e sempre estaremos aqui, presos uns aos outros. Resta apenas viver e amar.

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