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Crítica | As Trapaceiras

Imagino que poucos saibam que uma refilmagem da comédia Os Safados – que por sua vez era remake de um longa de 1964 -, dirigida por Frank Oz e estrelada por Steve Martin e Michael Caine, esteja chegando este ano aos cinemas sob o nome de As Trapaceiras, numa inversão de gênero do original que coloca Anne Hathaway e Rebel Wilson nos papéis principais. Imagino, também, que boa parte da equipe que tenha idealizado o projeto deva ter se esquecido do mesmo fato durante sua produção, copiando a estrutura mas se esquecendo da personalidade, construção de humor e comprometimento com a entrega.

O esqueleto da trama é praticamente o mesmo, com duas vigaristas, Penny Rust (Rebel Wilson) e Josephine Chesterfield (Anne Hathaway), que após cruzarem caminhos em uma viagem à Riviera Francesa e desfrutarem de uma breve parceria, passam a competir entre elas para ver quem é a melhor na malandragem. Com uma ética específica de trabalho, apenas tendo como alvos homens fúteis e gananciosos, o frenesi de roubos e golpes é interrompido e desafiado quando ambas miram Thomas (Alex Sharp, de O Mínimo Para Viver), um jovem gênio da informática que se mostra comparativamente decente aos demais.

Se boa parte da graça do original estava na falta de qualquer ética dos protagonistas antes de amolecerem diante de seu último alvo, o roteiro adaptado de Jac Schaeffer procura desde o início basear as ações das vigaristas em uma espécie de bússola moral, apontando seus crimes como um levante contra o machismo e o narcisismo dos homens. Embora o roteiro transforme, com propósito cômico, quase todas as personagens masculinas em sujeitos caricatos e desprezíveis, justificando seus infortúnios, a inversão desta história em uma de empoderamento vem em detrimento do fascínio de observar e rir de protagonistas mais contestáveis como os de Martin e Caine.

De qualquer forma, o projeto se perde mesmo neste principal objetivo de empoderar, já que o desenvolvimento das personagens se mostra tão raso, até redutivo. Boa parte das piadas que envolvem Penny apoiam-se em seu peso ou a falta de desejo dos homens que encontra, e apesar desta última ser transformada em um tipo de mote dramático para o terceiro ato do longa, a personagem não se mostra nada além do estereótipo que Wilson se acostumou a interpretar, com algumas exceções. Josephine, por sua vez, fica praticamente no mesmo tom blasé, embora com isso Hathaway seja capaz de experimentar uma secura – e um sotaque britânico à Julie Andrews – pouco habitual nos trabalhos da atriz.

Em uma comédia funcional, algumas das limitações mencionadas acima poderiam ser facilmente ignoradas ou talvez até abraçadas e usadas a seu favor, mas As Trapaceiras é um longa que morre assim que se inicia. É possível reconhecer o conceito de certas piadas debaixo de cada cena, mas são suas transformações em cena que as anulam, seja pela composição genérica de planos, a falta de entrega do elenco e o uso irregular da trilha, às vezes criando momentos excessivos e outros completamente silenciosos, que por sua vez sublinham a falta de efeito do humor com o silêncio constrangedor – ou o ruído do ar-condicionado – da própria sala de cinema.

O roteiro de Schaeffer e a direção de Chris Addison, talvez por conta de um desencontro ou falta de comunicação, não conversam entre si e nem individualmente escolhem uma abordagem específica de humor, resultando em um projeto que parece improvisar ao longo do caminho mesmo que se paute sobre uma obra pré-existente. Isso pode ser exatamente o que as protagonistas fazem, inventando identidades e planos pela frente, mas a perdição dos aspectos humorísticos do longa o torna insustentável por sua duração de pouco mais de noventa minutos. Nesta indecisão, Wilson e Hathaway estão claramente sem conforto em uma série de cenas.

As Trapaceiras sofre, inclusive, dos mesmos vícios que derrubaram o recente reboot de MIB: Homens de Preto: a predominância dos diálogos improvisados. Mas se Chris Hemsworth e Tessa Thompson eram capazes de mascarar, mesmo que ligeiramente, a falta de direção do texto, uma intérprete menos flexionada como Rebel Wilson deixa tais brechas à mostra em uma série de momentos. Um de seus diálogos climáticos com Thomas, pelo qual passa a nutrir sentimentos, é quase desintegrado por uma quebra de personagem da atriz, que visivelmente segura a risada diante de uma piada que ela mesma deveria entregar. Como se também não houvesse, para Addison, a possibilidade de rodar outro take.

A falta de comprometimento é tanta que, quando As Trapaceiras rouba piadas descaradamente do filme anterior, a sensação é de que não há mais nada a perder e qualquer coisa pode ser lucro. Infelizmente, estes momentos não tem efeito algum no remake e se distinguem apenas pela presença de elementos de cenário diferenciados, como a visita a uma masmorra com entrada hipertecnológica – uma atualização da cena original. Mas são fracos momentos absurdistas enterrados sob uma montanha de péssimos momentos aborrecidos, em uma sacola amarrada por uma suposta mensagem de empoderamento que não engana ninguém: o único objetivo de todos aqui é o dinheiro, de preferência fácil.

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