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Crítica | Entre Realidades

É sempre necessário e importante relembrar que saúde mental é coisa séria, e que devemos abordar sobre este assunto sem preconceitos, e com toda a compaixão que ele merece.

O cinema sempre gostou de retratar variados casos e tipos de condições envolvendo saúde mental. Mesmo no atual momento, vivemos a expectativa da cerimônia do Oscar onde Coringa de Todd Phillips está na corrida com o recorde de indicações (11). Infelizmente, o longa de Phillips faz uma abordagem pobre e confortável demais sobre a condição de seu protagonista, distanciando-se de obras mais complexas, como Ilha do Medo (2010) de Martin Scorsese, O Abrigo (2011) de Jeff Nichols, e O Lado Bom da Vida (2012) de David O. Russell.

O novo drama Entre Realidades da Netflix, lamentavelmente, se encontra na coluna do filme sobre o vilão da DC Comics. Dirigido por Jeff Baena, acompanhamos a vida de Sarah (Alison Brie), uma jovem solitária que trabalha em uma loja de tecidos e materiais para artesanato que se encontra mais à vontade junto de seu antigo cavalo, ou assistindo séries de TV sobre crimes sobrenaturais. Entretanto, quando uma série de sonhos surreais começam, Sarah começa a apresentar dificuldades em distinguir suas visões da realidade cotidiana.

Ao final dos créditos desta produção original Netflix ficará uma sensação de que algo foi desperdiçado. Não o tempo do assinante, mas um tema muito rico que mira uma conscientização de qual é a condição de Sarah e os desdobramentos de seu desequilíbrio mental e emocional. Dentro deste desaproveitamento acaba sendo diluída uma performance sensível e de muita bravura de uma ótima Alison Brie, que junto de Baena, escreveu o roteiro desta trama.

Até o terceiro ato, o texto de Entre Realidades consegue mostrar com detalhes os subníveis que levam a um colapso mental. A direção cuidadosa de Baena tira de Brie, todas as minúcias de alguém que sofre de ansiedade e depressão. Angustiantes são os momentos onde observamos Sarah se divertindo com o corpo, porém distante do real prazer – que na parte final ela poderá sentir dentro de sua própria realidade deliberadamente incoerente.

Ainda nessa jornada pelo inconsciente da protagonista é pinçado um tema profundo, que está diretamente envolvido com o estado de Sarah. Desde o início, o roteiro comenta a relevância de nossas origens. Sabermos de onde viemos, e quem foram nossos antepassados. Algumas pessoas que sofrem com a depressão comentam sobre o isolamento que sentem quando desconhecem algumas partes de seu passado – especialmente no caso de ausência das figuras maternas ou paternas.

Tudo isso contribui muito para uma atuação dedicada, nuançada e afetuosa de Alison Brie. A atriz de 37 anos de idade aproveita cada uma destas camadas. Mesmo nos momentos derradeiros, é possível observar a extensão de suas habilidades técnicas. Uma pena que o enredo parte para exageros narrativos – e visuais – que comprometem a principal intenção de Entre Realidades: empatizar para com aqueles que sofrem em suas dores e confusões.

Uma estrutura melhor do roteiro teria salvo o que de mais importante havia nessa produção Netflix, que guarda para os 25 minutos finais, algo que abandona qualquer ideia ou conceito de uma compreensão lógica e emocional do que significa a instabilidade do ser humano diante de tragédias e perdas. Ao invés disso, o texto de Baena/Brie opta por detalhar as etapas e acontecimentos primordiais do histórico de Sarah de modo surrealista, assim, enfraquecendo muito o engajamento com a obra.

Ano passado, outra produção original Netflix também rondou os devaneios da mente humana, a comédia Loja de Unicórnios (2017) de Brie Larson. E, assim como o filme de Larson, Entre Realidades de Jeff Baena escorrega no desnivelamento narrativo, atrapalhando o alvo emocional intencionado.

Certamente, são boas as intenções do diretor Jeff Baena e sua estrela, e em boa parte do tempo é possível sentir a espiral em queda da vida de Sarah. Contudo, isso não resiste, e o abalo dá lugar a uma viagem óptica onde nos deparamos com a protagonista vestida como uma ninja, de tecido cor de pêssego.

Que Alison Brie tire uma lição de sua experiência em Entre Realidades. Que na próxima empreitada como roteirista, lembre-se de que em muitos casos, menos é mais. E, que preservar o que de melhor se tem a dizer é o essencial na história.

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