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Crítica | It: Capítulo 2

Há de se dizer que It: Capítulo 2 se inicia com sua cena mais horrenda. No entanto, a presença do monstruoso palhaço Pennywise (Bill Skarsgård) é mínima neste trecho: o horror maior encontra-se na superfície da cidadezinha de Derry, Maine, quando um casal de homossexuais é agredido a socos e pontapés em um local não muito distante de um iluminado parque de diversões. A conclusão desta cena traz o palhaço ao primeiro plano, mas a natureza fétida do que havia ocorrido antes é capaz de fazer esquecer, momentaneamente, da criatura que devora crianças e outros cidadãos desafortunados daquele fim de mundo imaginado por Stephen King, enfatizando os horrores não atrelados à fantasia, mas à realidade.

Enquanto a primeira parte da adaptação conduzida por Andy Muschietti havia explorado, ainda que mais discretamente, tópicos controversos em sua construção do espaço de Derry, em It: Capítulo 2 o cineasta e o roteirista Gary Dauberman (Annabelle 3) mergulham de cabeça nos aspectos problemáticos da cidade para enfatizar, com bom efeito, a relação dúbia que os Perdedores agora adultos têm com sua terra natal. Se no predecessor era salientada a beleza da relação do grupo inseparável, aqui são os traumas individuais e coletivos que se destacam sobre os aspectos mais positivos, impedindo-os de recuperar o espírito de equipe corajosa já que vivem suas vidas em um estado constante de fuga.

É com uma pincelada de ironia que se constata, apesar do fortalecimento dos protagonistas ao final do capítulo anterior, seus respectivos retrocessos na fase adulta. Seja repetindo experiências anteriores, como Eddie (James Ransone), agora casado com uma mulher tão sufocante quanto sua mãe – ambas são, não à toa, interpretadas pela mesma atriz, Molly Atkinson -, e Bev (Jessica Chastain), cujo marido reflete as atitudes abusivas de seu pai, ou tentando mascarar os traumas passados debaixo de uma fachada artística, como faz Richie (Bill Hader) com sua carreira na comédia stand-up grosseira e Bill (James McAvoy), agora um roteirista de cinema e romancista de terror que endereça seus traumas e arrependimentos no território da fantasia.

No entanto, como as memórias nebulosas de seus protagonistas, It: Capítulo 2 lida com sua própria dificuldade de recobrar a experiência anterior, mesmo que chegue apenas dois anos após sua estreia. Como grande parte do Capítulo Dois, e com isso digo mais da metade de sua duração, se dedica a cada um dos Perdedores relembrando experiências passadas, as inserções de flashbacks tornam-se constantes ao ponto da redundância, seja recapitulando eventos ocorridos no Capítulo 1 ou trechos que ficaram de fora e inevitavelmente tiveram de ser incluídos aqui. Com isso, mostra-se indeciso entre ser uma Parte 2 e uma sequência convencional ciente do intervalo de tempo que a separa.

Há um ótimo lado para essa indecisão: a volta do talentoso elenco mirim, sem dúvida o ponto mais forte do longa lançado em 2017. A presença dos jovens ainda ressalta o cuidado ímpar na seleção do elenco adulto, com atenção minuciosa às feições compartilhadas entre cada ator com sua contraparte passada / futura. Também vale dizer que as novas cenas dos jovens Perdedores, sejam as individuais ou aquelas reunidos em seu clube secreto na mata, são novamente conduzidas com afeto e doçura que, pela – nem sempre – eficiente montagem e truques de encenação sofisticados, transferem sua carga emocional aos trechos mais austeros no presente e ainda tornam as interações dos velhos Perdedores mais despojadas.

O elefante na sala, então, vem na forma de sua extensa duração, que aproxima a marca de duas horas e cinquenta minutos. Como esta minutagem leva a crer, It: Capítulo 2 é, de fato, um bocado indulgente, mas neste período de blockbusters mais pasteurizados e repetitivos, é refrescante ver um projeto tão estranho e ousado ganhar este tipo de liberdade para desenvolver-se em seu próprio tempo – embora tenha sofrido cortes sobre a versão original de quatro horas. É o seguinte caso: é muito filme para um filme só, portanto está aberta a possibilidade de haver tanto muitos baixos quanto também uma variedade de pontos altos, como um baú de traquinagens macabras.

O imenso volume de acontecimentos surge em um ritmo constante, devendo mascarar a passagem do tempo para boa parte dos espectadores. Não é o tipo de longa que deva ser acusado de desinteressante, já que, além do domínio do ritmo, Muschietti tem se mostrado mais que um mero realizador do gênero terror e sim um profissional capaz de transitar entre tons e estéticas variadas. Aqui, o balanço entre o horror e o humor até surge mais desequilibrado, com instantes que beiram o tipo de paródia autorreferente atualmente em voga e diluem a imersão, mas o drama ganha maiores nuances à medida que ocorrem mais e mais “conversas de gente grande” nesta etapa amadurecida da trama.

E apesar de sofrer com uma estrutura demasiadamente segmentada para as alucinações individuais, como era o caso com o antecessor, It: Capítulo 2 enfim guarda uma grande vantagem em relação à primeira parte: um clímax emocional e ambicioso no qual a influência de Pennywise é evocada sobre o coletivo de suas personagens, resultando em uma verdadeira salada de efeitos e ideias que deve apagar da memória do público – caso este tenha conferido – a péssima versão do confronto realizada na minissérie noventista. Com tal sequência, Muschietti gradua de pequeno grande diretor do gênero para um com ampla capacidade de sustentar projetos maiores e mais ousados.

Bem como os Perdedores reaprendem nesta segunda aventura, o cineasta argentino foi capaz de transformar alguns dos maiores obstáculos na adaptação de IT: A Coisa em coisas muito menores do que aparentavam ser. Este definitivamente não é um filme consistente, apesar do que as comparações positivas com a versão televisiva levariam a crer, mas é o raro projeto comercial que opera acima de tudo em compromisso com sua história e personagens, e não apesar deles. Há um parque de diversões inteiro empacotado dentro desta adaptação, e ainda assim a sensação que prevalece é a do crescimento de todos aqueles envolvidos, dentro e além da tela. Traumático, violento, duro, porém também honesto e reparador crescimento.

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