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Crítica | Máquinas Mortais

Algumas ideias são legais demais para ser ignoradas, mas ainda assim não justificam ou sustentam um filme inteiro. Com produção do cineasta Peter Jackson, já habituado a super produções encarecidas com resultados variados, Máquinas Mortais se vendeu sobre um conceito que seria o sonho tanto de aficionados por perseguições automobilísticas e distopias steampunk: grandes cidades caçam outras menores – sobre rodas! O orçamento para realizar essa fantasia visualmente com certeza está aí, porém faltam muitas coisas para que essa produção decolasse – o fracasso nas bilheterias já fechou as portas para uma franquia.

Baseado no primeiro livro do universo homônimo criado por Philip Reeve, Máquinas Mortais nos apresenta a um mundo distópico que, milhares de anos antes, havia sido devastado por armas de destruição em massa. Com o tempo, algumas grandes cidades transformaram-se em gigantescos veículos, conhecidos como Cidades Tração, que se alimentam de cidades menores para consumir seus recursos como combustível. Enquanto isso, o resto do mundo declara-se anti-tracionista – ou seja, recusa-se a transformar suas cidades em grandes máquinas motorizadas, a fim de preservar recursos. Por conta disso, Londres, a mais gananciosa das cidades sobre tração, forma uma agressiva frente de ataque ao mundo anti-tracionista para se reabastecer definitivamente.

Caso focasse mais no deslumbre visual possibilitado por seu universo e apostasse em uma narrativa mais simples, Máquinas Mortais poderia muito bem ter sido uma espécie de sucessor entorpecido de Mad Max: Estrada da Fúria, uma obra-prima de ação objetiva e ininterrupta. O longa dirigido por Christian Rivers e roteirizado por Fran Walsh, Phillipa Boyens e Peter Jackson, no entanto, prefere criar uma teia de personagens que, de alguma forma, estão todos relacionados e que complica a progressão da aventura ao ponto de deixá-la entediante – a longa duração também não ajuda. É difícil descrever o enredo deste primeiro capítulo e fazê-lo soar atraente, mas aqui vai.

Hester Shaw (Hera Hilmar), uma andarilha dessas terras desoladas, quer vingança contra Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), um político de Londres que matou sua mãe e principal símbolo da opressão ao movimento anti-tracionista. Quando Shaw falha em assassinar seu oponente, é seguida por Tom (Robert Sheehan), que passa a acompanhá-la em uma jornada após descobrir que Valentine realmente não é grande coisa. Fugindo de Londres, deparam-se com a líder anti-tracionista Anna Fang (Jihae), que desconfia que Valentine está construindo uma perigosa arma com tecnologia antiga. Enquanto isso, um androide zumbificado conhecido apenas como Shrike (dublado por Stephen Lang) segue furioso na cola de Hester e Tom, com motivações misteriosas.

Introduzir o público a um universo cheio de nomes e ideias não é fácil, e fazê-lo funcionar com naturalidade menos ainda. Mesmo que a culpa não seja inteiramente de Boyens, Walsh e Jackson, que partem de um cânone pré-estabelecido ao longo de vários livros, a adaptação do material para as telas é incapaz de construir conexões convincentes entre seus personagens sem sacrificar o ritmo da jornada. Além do mais, apesar da duração excessiva, gasta mais tempo com subtramas que nada agregam, interrompendo a ação nas Outlands com cenas nas ruas de Londres, do que desenvolvendo as facetas mais interessantes desse universo ou criando algum senso de aventura.

Quando de fato escolhem aprofundar elementos mais promissores da trama, miram no sci-fi imaginativo e acertam na comédia involuntária, como na história de fundo que liga Hester ao misterioso Shrike. Por mais que esse trecho em especial ajude, de certa forma, a dar algum tipo de tempero à insossa fantasia sci-fi que o precede – e, também, incluir alguns efeitos práticos decentes na mistura -, é algo que exemplifica quão perdida a adaptação está em busca de elementos que a diferenciem de outras produções do gênero – além das cidades com rodas, é claro. Isso só piora assim que fica claro que Shrike está lá apenas para entregar um MacGuffin – ou seja, um objeto de importância à trama – para a protagonista.

Contudo, nos momentos em que Máquinas Mortais foca em sua carnificina metálica, o longa entrega o que promete. As imagens geradas por computação gráfica são refinadas e bastante expressivas, ao ponto de despertar uma curiosidade por uma nova aventura neste universo que, até o momento, mal se justificou nas telonas. A melhor das batalhas é aquela que abre o filme, com uma geografia bem estabelecida e uma trilha incessante que remete diretamente a Estrada da Fúria – a escolha de Junkie XL como compositor não chega a surpreender, e ele novamente aposta em uma percussão pesada e ruídos excessivos para conferir mais gravidade e impacto às perseguições e batalhas.

No fim, Máquinas Mortais é mais uma super-produção de fantasia que, ao lado de Warcraft e O Destino de Júpiter, traz alguns resquícios de um universo promissor, alguns conceitos visuais interessantes mas que falha em engajar com uma trama que pouco aproveita as possibilidades desse mundo introduzido de forma tão insossa. O mal-aproveitamento das ideias chega a ser tanto que, após uma cena envolvendo Minions – sim, aqueles Minions de Meu Malvado Favorito -, adorados neste futuro como “deidades americanas”, fica a impressão de que o longa de Christian Rivers teria funcionado muito melhor como um remake steampunk de Idiocracia – sobre rodas!

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