Filmes

Crítica | O Pintassilgo

O Pintassilgo, romance de Donna Tartt que rendeu à autora um Pulitzer, foi geralmente bem recebido por críticos e leitores mas gerou, principalmente no meio da análise literária, algumas controvérsias quanto à utilização de um formato narrativo inconfundivelmente clássico dentro do contexto norte-americano pós-11 de setembro.

Portanto sua adaptação aos cinemas, dirigida por John Crowley e escrita por Peter Straughan, já correria o risco de não ressoar com todos os públicos. Trazendo uma história de formação em escala épica e diálogos rebuscados, fatores pelos quais muitos associam a obra original ao estilo de Charles Dickens, em conversa com paranoias do século XXI, O Pintassilgo aparenta deslocado em suas partes.

Este é um épico que não soa épico, ao mesmo tempo que é um estudo moderno de personagem que raramente soa atual ou real. A história de Theo (Oakes Fegley / Ansel Elgort), que perdeu a mãe aos 13 anos em um atentado terrorista no museu Metropolitan, é relatada de maneira introspectiva, mas a forma que assume nas telas propõe mais distanciamento do que reflete os temas em seu centro.

A estrutura alternada entre passado e presente, com instantes ainda de montagem não-linear entre duas ou três diferentes cenas ao mesmo tempo, ajuda a preservar a atmosfera de mistério, em especial acerca do quadro que dá nome ao filme, obra desaparecida em meio ao caos do atentado a bomba. Já sabemos desde o princípio que há algum tipo de conexão entre Theo e o quadro, mas não exatamente o quê.

O roteiro de Straughan nunca parece ao certo saber quanto tempo quer passar com cada uma das linhas temporais, e nem os momentos exatos em que deve saltar entre as duas. A montadora Kelley Dixon faz seu máximo para trazer fluidez e estabelecer um ritmo às cenas, mas a associação entre um trecho e outro é quase sempre fraca, muitas vezes interrompendo a atmosfera que se criava.

Como episódios na jornada de formação do protagonista, situações vem e vão, com rostos novos e outros recorrentes. Alguns definidores na história de Theo, como Hobie (Jeffrey Wright), Pippa (Aimee Laurence / Ashleigh Cummings) e Boris (Finn Wolfhard / Aneurin Barnard), enquanto outras são pontuais, como seu pai Larry (Luke Wilson) e a madrasta Xandra (Sarah Paulson), que representam a única passagem do garoto órfão por um domicílio frágil.

Deve-se notar o requintado trabalho de caracterização que a direção de arte de K.K. Barrett faz com cada uma das locações que marcam a transição de Theo entre o o tempo como orfão acolhido na família da rica Sra. Barbour (Nicole Kidman) em Nova York, à estadia em um condomínio desértico nos arredores de Las Vegas com o pai e a madrasta, e de volta a NY no ofício ao lado de Hobie em sua loja de antiguidades.

É certamente em seus aspectos técnicos que O Pintassilgo compreende a vividez com que certas memórias se imprimem sobre indivíduos, e como a todas elas associamos lugares, objetos e nomes. Embora não saiba sempre o que fazer, a direção de John Crowley aposta nesta atenção aos espaços como principal maneira de recriar o fluxo de consciência a Theo ao lado do uso de voice-over.

Já em questão de trama, O Pintassilgo – por conta do material original, para ser justo – faz uma curva fechada em seu último ato ganhando ares de thriller, e tal mudança quebraria radicalmente com o tom de tudo que veio antes não fosse, novamente, pelos esforços da montagem e também da belíssima trilha sonora de Trevor Gureckis. No entanto, não deixa de soar irreal a descida ao submundo do crime.

A presença do ilustre Roger Deakins na direção de fotografia, por outro lado, garante imagens sempre muito bem definidas e reluzentes, acrescentando à ideia – um tanto óbvia – de que este é um mundo visto sob as lentes de um personagem em profundo contato com as belas artes e observador dos mínimos detalhes. Porém a proposta pode também transparecer como um envernizamento excessivo.

De fato, há por vezes tamanha sobrecarga estética que não há como evitar se perder da história debaixo dela, demasiadamente vaga até que se chegue nos “finalmentes”, quando o material ambiciona por um comentário edificante acerca do valor da arte e sua permanência ao longo dos tempos, como algo que deve sobreviver através e apesar da humanidade, mas nunca necessariamente com ela.

Algo que havia sido sugestionado antes, na visão assombrosa de um museu em ruínas no qual apenas as pinturas se encontram intactas. Porém isso é, infelizmente, uma das poucas coisas que realmente evocam qualquer sensação fantasmagórica neste filme, que almeja tanto nos mergulhar nas memórias de seu protagonista atormentado pelo passado e se perde no caminho.

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