Filmes

Crítica | Papillon

Entre diversos subgêneros do cinema, um dos mais amados é o filme de fuga de prisão. Existe ainda um certo fascínio sobre a história de homens, às vezes injustamente encarcerados, que escapam do aprisionamento, seja pela perspicácia com que planejam sua saída ou pela emoção catártica de vê-los livres. Essa premissa rendeu obras variadas como Um Condenado à Morte Escapou, Fugindo do Inferno, Um Sonho de Liberdade e, é claro, Papillon, história verídica que agora é recontada pelo diretor norueguês Michael Noer e o roteirista Aaron Guzikowski (Os Suspeitos), adaptando das memórias de Henri “Papillon” Charriere.

É 1931 quando o jovem Henri Charriere (Charlie Hunnam) é falsamente acusado de assassinato e levado à prisão de Saint Laurent du Maroni, na Guiana Francesa. Lá, conhece o falsário Louis Dega (Rami Malek), que se torna alvo fácil de outros prisioneiros por ser conhecidamente rico. Os dois então formam uma aliança: Charriere protege Dega dos outros presos em troca de seu dinheiro, que por sua vez será útil à fuga que planeja. Charriere então tenta uma série de escapes, quase todos fracassados e punidos com anos de solitária. Sabe-se, no entanto, que um homem eventualmente escapou, passando anos exilado e em 1969 publicando suas memórias – “um” e não “o”, pois há controvérsias acerca de sua verdadeira autoria.

Já que consiste de uma sucessão de tentativas frustradas de fuga, Papillon conta com uma estrutura um tanto quanto repetitiva, o que é coerente com a proposta, porém essa repetitividade cresce demais com o enxugamento da trama para meros 133 minutos. A princípio, parece tempo o bastante para evocar o clima certo de monotonia e construir o elo entre Henri e Louis, mas o roteiro de Guzikowski quer incluir pontos narrativos demais. No fim, não consegue comprimir os muitos acontecimentos com naturalidade, apostando em pulos temporais e deixando o longa menos aflitivo. Por conta disso, a fuga final não traz a sensação de alívio como deveria.

Geralmente, a modernização de histórias clássicas implica um ritmo mais acelerado, mas isso não funciona bem com uma trama como a de Papillon. Caso a revisão de Noer e Guzikowski contasse com uma abordagem mais cadenciada, até mesmo vagarosa, poderia ter atingido um maior nível de verossimilhança na forma como representa o aprisionamento de Henri. Há um ou outro trecho que captura essa angústia, como a primeira estadia na solitária – isolando o personagem, é um momento forte que faz bom uso do silêncio e do tempo morto, também comunicando o avanço da narrativa através de detalhes visuais.

No restante do tempo, a direção de Noer não possui a mesma identidade. Embora a câmera no ombro não seja um problema e crie um imediatismo, além de permitir proximidade aos rostos dos atores, o cineasta nem sempre sabe o que e como quer mostrar, por isso nunca trazendo uma identidade específica para as cenas. As lutas, por sua vez, pecam pela espacialidade confusa e o curto tempo entre cortes, deixando a impressão de que faltou alguma sincronia entre direção e coreografia. Ao menos, com Papillon, Noer prova que tem capacidade para controlar altos valores de produção, evidentes nos planos abertos que estabelecem o espaço da prisão – mérito também da fotografia de Hagen Bogdanski e do design de produção de Tom Meyer, inspirando-se diretamente em detalhes do filme anterior.

Pelo menos, Noer tem seus motivos para recorrer aos rostos dos atores. Charlie Hunnam só tem melhorado ao longo dos últimos anos de sua carreira, e aqui, além de demonstrar a mesma expressividade controlada vista em Z: A Cidade Perdida, passa também por uma transformação física, representando as duras privações pelas quais Henri passou em seus anos de prisão. Rami Malek, por sua vez, tem ainda certa dificuldade em se soltar de sua imagem habitual de esquisitão, mas ainda assim faz um ótimo trabalho de representar o carinho que Louis passa a ter por seu fiel protetor. Em sua última cena juntos, Hunnam e Malek emocionam.

A história de Henri “Papillon” Charriere continua fascinante, e é compreensível a demanda por uma nova interpretação, quarenta e cinco anos após sua primeira versão cinematográfica. É um tanto decepcionante constatar que não há nada de especial ou novo em termos de direção ou roteiro, visto que havia um maior volume de material à disposição dos realizadores. Entretanto, com dois atores confiáveis e esmero técnico de fotografia, sets e figurinos, Papillon é uma refilmagem de respeito, embora sem nenhuma identidade.

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