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Crítica | Pássaro do Oriente

Em conteúdo, existe uma semelhança inesperada entre o trágico Manchester à Beira-Mar (2016) de Kenneth Lonergan e o mais novo lançamento da Netflix, o suspense Pássaro do Oriente de Wash Westmoreland. Ambos tratam do tema morte, cada um à sua maneira. Enquanto a ótima obra de Lonergan evoca um cortante drama cruamente pincelado por momentos de humor invertebrado, o muito qualificado trabalho de Westmoreland verte pelo mistério embebido em fetiches, seja pelo sexo, e principalmente, pela morte.

É nesta intersecção que o cineasta responsável pelo irregular – mas tocante – Para Sempre Alice, e pelo competente Colette produz o melhor de suas habilidades, dado que aproxima ambos os temas, ao ponto de comentar a desconcertante tradição da era vitoriana de se tirar fotografias de pessoas mortas, chamada de Memento Mori, junto de La petite mort – no traduzido, a pequena morte – , uma expressão que comenta a breve perda ou enfraquecimento da consciência, usado no período moderno para descrever a sensação do pós-orgasmo comparada ao momento do óbito de uma pessoa.

Tais estudos, além de uma maturidade artística fazem de Pássaro do Oriente, a mais incitante e hipnotizante produção feita pelo cineasta.

O filme da Netflix nos leva de volta a Tóquio de 1989, onde acompanhamos Lucy Fly (Alicia Vikander), uma enigmática jovem atormentada por um passado traumático, que vê sua vida mudar quando conhece Teiji (Naoki Kobayashi), um charmoso e misterioso fotógrafo, que faz uns bicos como cozinheiro de um restaurante. Em seguida, conhece a carismática e ingênua Lily Bridges (Riley Keough), que rachará a sua vida com um desaparecimento repentino, questionando suas relações e sanidade.

O diretor inglês de 53 anos consegue prender o espectador por duas vias: as performances de seu trio principal; e uma bela harmonização de ideias junto de seu cinematógrafo, o sul-coreano Chung Chung-hoon, mais conhecido por trabalhos, como o magnífico Oldboy e A Criada – ambos dirigidos por Park Chan-wook – , além de algumas investidas hollywoodianas, tipo Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer, It: A Coisa, Hotel Artemis, e mais recentemente, Zumbilândia: Atire Duas Vezes.

O elenco encabeçado pela atriz sueca Alicia Vikander, dispõe uma boa dose de predicados para fazer de Pássaro do Oriente, algo descomplicado de se engajar. Já, que tais personagens apresentam diferenças notáveis, ao mesmo que buscam um nivelamento, uma conexão uns com os outros, executando um triângulo afetivo inegável.

Duas cenas exemplificam bem este emparelhamento: quando Lucy incomodada com uma morte que presenciou naquele dia, encontra beleza na mesma pelas fotos tiradas por Teiji, de sua tia falecida em um caixão; e na cena em que Lily e Teiji dançam em uma casa noturna enquanto uma banda toca, onde ambos praticamente mimetizam seus movimentos na pista de dança.

A atriz de origem sueca é quem apresenta emoções que mais se aproximam da sobriedade, como se seu espírito estivesse sempre prestes a entrar em um estado de sono; enquanto o galã japonês Naoki Kobayashi se impõe com sua presença física e voz profunda, sempre acompanhada de um sorriso sutil e olhar penetrante; e Riley Keough – na vida real, neta do roqueiro Elvis Presley – é a força solar em Pássaro do Oriente, sensual e radiante, servindo como contraponto, tanto para Lucy quanto Teiji.

Mas, foi na parceria com Chung-hoon que Wash Westmoreland encontrou o melhor de sua narrativa neste longa produzido pela Netflix. Pássaro do Oriente é o tipo de filme que em sua maior parte é contado visualmente, pela atmosfera estabelecida. E, o melhor é que esta climatização forjada parece como se não tivesse barreiras, desta maneira, nunca se assume como um filme de suspense, apenas. Mantendo-se aberto a possibilidades, que o elenco aproveita bem. É assombroso o quão elegante é a fotografia de Chung-hoon. Realmente magnético, especialmente nas cenas noturnas.

O aspecto da morte também se faz presente na cinematografia do sul-coreano na obra de Westmoreland, como nas cenas que observamos as sombras de pessoas nas paredes, quase que dando um ar de terror à produção Netflix.

Tirando alguns breves momentos quando o cineasta escorrega para o cinema de gênero, com cena de perseguição, ou truques que fazem quem assiste questionar a normalidade da protagonista, Wash Westmoreland mostra real evolução em seus trabalhos. Curioso que ainda não é possível associar uma marca registrada, uma autoria em seus filmes, o que torna o fato do diretor Ridley Scott figurar como um dos produtores de Pássaro do Oriente algo esperado, mesmo porque, também o cineasta inglês é um homem que busca não se associar a uma identidade específica.

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