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Vai Anitta | Crítica - 1ª Temporada

A Netflix se orgulha de procurar temas e personagens que possuam apelo global para sua diversificada base de espectadores casuais, e Vai Anitta é mais uma produção que se encaixa perfeitamente neste padrão, capitalizando em cima do sucesso inegável da cantora, muito além do cenário brasileiro.

Vai Anitta não é um documentário muito semelhante à maioria das produções que costumam acompanhar artistas em suas turnês. Embora o glamour e a típica vida agitada tenham seus destaques, o foco é muito maior na personalidade cativante e no jeito convidativo com que a cantora rege o seu dia a dia para o espectador. Anitta não se comporta como a maioria dos artistas que estão em seu nível de carreira, e enquanto outras produções documentais costumam apresentar os obstáculos pessoais e dramas internos de seus protagonistas, a nova série da Netflix busca humanizar Aniita através de suas perspectivas descontraídas.

De início, uma breve montagem mostra a trajetória de Anitta até o ano passado, apresentando sua família e seus parceiros mais próximos, sempre enaltecendo o quanto a cantora é vista como uma “força imparável” por aqueles que a cercam. As dificuldades da carreira (sempre vistas como uma parte importante deste tipo de produção) acabam sendo deixadas em segundo plano, dando a entender que a determinação da protagonista sempre é mais forte do que qualquer percalço que possa surgir no meio do caminho.

Ao assistir a série, percebe-se que Anitta possui uma mente muito mais voltada para sua marca e seus ideais, do que para qualquer aspiração artística que poderia vir de suas composições. O objetivo é sempre agradar ou representar o seu público, mantendo-se fiel às suas raízes e valorizando a interação com seus diversos fãs. E consciente da vontade deste público de poder acompanhar sua rotina, é justamente isso que a cantora coloca em primeiro plano durante todos os episódios de Vai Anitta.

Estes primeiros episódios acompanham a execução do chamado “projeto checkmate”: uma estratégia de lançamento envolvendo uma sequências de “singles” (todos acompanhando de videoclipes extravagantes), ao invés da típica produção de um álbum comum. Com cada música lançada, vemos o processo de concepção e divulgação destas faixas bem conhecidas do público fã de música pop, o que por si só já agradará todo o público cativo da cantora que deseja conhecer mais sobre os bastidores destas músicas.

Em meio às gravações e divulgações, a série traz diversos momentos de descontração entre Anitta e sua equipe, sempre com entrevistas ressaltando o clima intimista que a cantora almeja em seu grupo. Se por um lado pode parecer que as reais dificuldades desta rotina estão sendo ignoradas (sempre que a cantora parece estar nos piores momentos, é revelado que tudo não passa de uma brincadeira, com a exceção de uma breve confissão sobre sua depressão), é justo notar não há muita necessidade de dramas mais deprimentes em meio às intenções da série de retratar a postura positiva da cantora em todas as suas empreitadas.

Em qualquer produção documental, há de se ter um fascínio pelo tópico que está sendo abordado. Por mais que acompanhar esta rotina possa não parecer tão interessante ao público geral (que não é fã convicto da cantora), há algo muito engajante em observar o quanto Anitta dá passos de gigante como se estivesse indo comprar pão na padaria da esquina. A artista encara enormes produções de videoclipes e discute estratégias monumentais sem o menor impacto aparente pela escala que a envolve, tratando tudo com a mesma convicção e segurança que demonstra ter em seus meios mais íntimos.

Para o público, acompanhar os episódios de mais ou menos trinta minutos não deve ser esforço algum. Tecnicamente, cada episódio é muito bem estruturado para manter o ritmo adequadamente compassado, ainda que se cubram muitos eventos em sua curta duração, e a fotografia do documentário não deixa nem um pouco à desejar, raramente permitindo registros amadores ou não-planejados. Inevitavelmente, esta abordagem também acaba tirando parte da tão almejada intimidade que a série busca conquistar com o espectador.

Outro ponto positivo da produção que deve tornar a experiência mais envolvente para o público, Anitta interage com personalidades americanas de maneira completamente reconhecíveis ao povo brasileiro, expondo o contraste de nossos maneirismos e costumes. É divertido acompanhar o DJ Alesso tentando se adaptar ao ambiente da amazônia, mas também não deixa de ser interessante ver como Anitta encara os diferentes ambientes gringos sem alterar seu comportamento já familiar aos fãs. Em parte, Vai Anitta se assemelha muito mais aos reality-shows dramáticos como “Keeping Up With the Kardashians” do que qualquer documentário deste gênero musical, por conta do seu foco nas descontrações pessoais da cantora.

No entanto, suspeito que esta primeira temporada seja na verdade o resultado de uma estratégia equivocada de lançamento para estes episódios. A cantora havia dito que a série abordaria o processo de divórcio com o empresário Thiago Magalhães, mas por enquanto, tudo que vemos são breves sinais de desgaste no relacionamento entre os dois.

Uma segunda temporada da produção já foi confirmada, e deve trazer estes prometidos obstáculos na carreira recente da cantora, mas por enquanto, a sensação é que fica é de que a série está objetivamente incompleta. É claro que a carreira de Anitta ainda tem muito o que percorrer, e nenhuma conclusão definitiva poderia ser retratada por aqui, mas ainda assim, toda e qualquer produção seriada precisa apresentar algum tipo de resolução (pelo menos, tematicamente). O sexto e último episódio acaba em clima de festa, sem muitos indícios do que ainda poderá ser visto em episódios futuros, e faz com que a narrativa de Vai Aniita não seja tão relevante quanto poderia ser, caso seus discursos pudessem ser interpretados com desfechos mais claros.

Nesta busca pela conservação da humildade, aliada à uma convicção aparentemente inabalável, temos uma personagem cujo foco de um documentário é plenamente justificável, com um aparente potencial para maiores aprofundamentos. Se a intenção de Anitta é, acima de tudo, expressar e representar, Vai Anitta pode ser um ótimo meio para que estes discursos e retratos da cantora possam ser construídos com ainda mais propriedade e discernimento do que o cenário musical atual lhe permite. Basta a produção perceber que talvez tenha todo o direito de se levar mais a sério.

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