Netflix

The Ranch | Crítica - 6ª Parte

A sexta parte de The Ranch continua apresentando a mesma falta de equilíbrio entre momentos dramáticos e alívios cômicos, tornando a tarefa de re-adequar as tramas da série para lidarem com a saída de Danny Masterson, ainda mais difícil.

Diferente de boa parte do catálogo da Netflix, The Ranch é uma série que procura apelar para o público sulista dos EUA, com seus personagens venerando a tradição do ambiente sulista americano e tramas que trazem a tona o recorrente embate entre o conservadorismo de estereótipos como Beau Bennett e os avanços sociais e tecnológicos de uma nova geração majoritariamente mais progressista.

É uma série feita para causar identificação com um vasto público americano, enaltecendo o estilo de vida caipira de seus personagens, e trazendo diversos cenários dramáticos familiares a este ambiente. Boa parte da trama gira em torno de dramas familiares, com a relação entre Beau (Sam Elliott) e seus filhos sempre em evidência. Sendo assim, a saída de Galo acabaria causando uma mudança fundamental na proposta e na identidade da série, e dificilmente conseguiria continuar agradando seu público cativo. Claramente, os produtores também chegaram a essa mesma conclusão, e trouxeram Luke (Dax Shepard) para tentar reconstruir esta dinâmica.

Consistente em suas interpretações, Sam Elliott poderia estrelar um drama próprio, e estaria muito melhor servido com o devido destaque para sua atuação (esta temporada ainda traz momentos de grande prestígio para o ator, que não deveriam ser ignorados). Kutcher, por sua vez, também demonstra não ter nenhuma dificuldade em carregar o protagonismo de uma comédia leve com seu carisma, mas com esta sexta parte pendendo mais para os conflitos familiares, seu personagem acabou precisando deixar a descontração costumeira de lado, e assumir uma personalidade menos convidativa para lidar com o sumiço de seu irmão.

A saída de Galo durou nada menos que três episódios inteiros, com os personagens tentando descobrir seu paradeiro e, eventualmente, aceitando sua morte (feita fora de tela). The Ranch já deixou de lado sua classificação como comédia em vários de seus episódios, e aborda a morte do personagem de Danny Masterson sem se preocupar com o ambiente triste que acaba predominando este começo de temporada. Ao invés de integrar os obstáculos emocionais de seus personagens em situações descontraídas ou, pelo menos, estruturar alívios cômicos que possam manter o tom da série equilibrado, The Ranch aposta todas as suas fichas no (suposto) engajamento emocional do espectador.

E uma vez cumprida, a missão de redirecionar a série para novos horizontes que não incluem Colt (Ashton Kutcher) e seu irmão entrando em enrascadas, The Ranch retoma as narrativas que vinha construindo até então. Beau e Colt estão envolvidos no mercado de gado, que já trouxe diversas das tramas típicas à este cenário de fazendeiros e seus negócios, nas temporadas anteriores. E no lado familiar, Abby está prestes à ter um filho, e não é segredo nenhum que bebês são como minas de ouro para séries de comédia.

Apostar na evolução de Colt e Abby (Elisha Cuthbert) como um casal, agora responsáveis por cuidar de uma criança, é uma escolha segura e acertada para The Ranch. A série vinha vendo seu núcleo ser desgastado pela mesma dinâmica familiar que incluía ressentimento e orgulho exacerbado, sempre causando problemas para os personagens. No entanto, tal qual em vários outros focos da série, o valor cômico da situação acaba pouco explorado, e serve apenas como pano de fundo para gerar ainda mais conflitos dramáticos entre os personagens.

Junto à pequena bebê Peyton, outro membro da família Bennett também entra em cena nesta sexta parte. Luke Matthews, sobrinho perdido de Beau e veterano de guerra atormentado, chega ao rancho à caminho de uma nova vida na Califórnia, mas acaba ficando nesta pequena cidade de interior, e já se envolve nos eternos dramas desta família turbulenta (Em tempo, sou o primeiro da fila para conferir uma série sobre Kardashians caipiras, comparação feita por uma personagem no último episódio).

Luke está aqui para tentar gerar novas situações que tragam a mesma eficiência cômica que a dupla Colt e Galo apresentavam em seus melhores momentos. O personagem traz seus próprios problemas pessoais para este já conturbado cenário, apresentando muitas das características típicas de veteranos de guerra que vemos em séries de televisão em filmes. Ao voltarem da guerra, muitos soldados passam por períodos de stress pós-traumático, e possuem dificuldade de permanecerem em locais com barulhos repentinos e aglomerações. Levando em consideração o público-alvo de The Ranch, é compreensível que a série tenha decidido trazer estes tópicos à tona, e ainda o faz com a devida integração e reconhecimento para o espectador.

O roteiro da série nunca foi dos melhores, e mesmo que conseguisse atingir um certo equilíbrio entre seu lado cômico e dramático, há uma notável falta do chamado “timing” cômico, com diversas piadas mal executadas que caem em silêncio, ou respostas fáceis para situações já corriqueiras dentro de séries americanas. De maneira semelhante, seus momentos mais sérios quebram o ritmo da série por não conseguirem transitar por dentro do tom descontraído inicialmente proposto, entregando diálogos pouco envolventes, com interpretações dispersivas pelo elenco.

Um dos maiores indicativos do quanto The Ranch prefere engajar seus espectadores com seu viés dramático, está no fato de boa parte dos episódios (inclusive nesta nova parte) terminarem em um “cliffhanger” relacionado à algum momento de tensão, ou tragédia. Dificilmente, algum episódio termina com os personagens em paz, ou com alguma resolução edificante para o espectador. Para uma série que começou sua jornada na Netflix tentando atrair o público órfão de That 70 Show, esta história soa como um futuro bem depressivo para os personagens de Kutcher e Masterson.

The Ranch, com seus temas e dinâmicas típicas dos estereótipos que busca retratar, preenche um espaço que, muitas vezes, é explorado equivocadamente por séries americanas. Mas, para uma série de comédia de palco, com platéia ao vivo e tudo, a produção da Netflix acaba deixando suas aspirações dramáticas falarem mais alto do que qualquer potencial cômico que a série poderia apresentar, e este é um defeito que foi apenas potencializado por suas necessidades de se reinventar nesta nova leva de episódios. Novamente, a temporada acaba em tensão, e teremos que esperar mais alguns meses antes de descobrirmos se a família Bennett finalmente poderá relaxar e se divertir um pouco. Com tantas outras comédias à disposição do público, no entanto, talvez este esforço não esteja sendo propriamente recompensado.

Sair da versão mobile