Tidelands, a nova série de produção australiana original da Netflix pode ser definida como a tradução do nome, terras das marés, pois estas são um fluxo que alterna e se modifica, e nunca se sabe para onde a maré poderá te levar. A produção criada por Stephen M. Irwin e Leigh McGrath é um caldeirão grande de gêneros, elementos e plot-twists. A parte boa disso tudo é que a série é capaz de nadar nessas correntezas, e a faz sem qualquer restrição ou amarra; já, a parte ruim é que mesmo em mar aberto, existe uma falta de conflitos musculares em mais da metade do enredo, tornando a narrativa irregular.
A série original Netflix conta a história de vida de Cal McTeer, uma ex-presidiária que retorna à sua cidade natal Orphelin Bay, após dez anos encarcerada por matar um policial. Na pequena cidade, habitada em sua maior parte por pescadores, se depara com seu passado traumático e as pessoas que a conheciam desde pequena. Ao mesmo tempo, uma morte misteriosa de um pescador, promove um encontro assombroso entre a jovem e os chamados ‘Tidelanders’, seres místicos metade humanos, metade sereias que vivem em uma comunidade pequena chamada L’Attente, liderada pela rainha Adrielle Cuthbert. O mergulho no passado e no mistério fará Cal questionar quem ela realmente é, e os perigos escondidos na pequena Orphelin Bay.
Para se ter uma noção fácil do que pode-se esperar de Tidelands, vale estabelecer um mix de comparativos para tentar definir boa parte da identidade da série, que tem um pouco de Siren, True Blood, e até Game of Thrones. Explicação: a ligação de Siren com esta série criada pela dupla Irwin/McGrath vem na temática que aborda o mundo das sereias, em ambas, estes seres fantásticos estão muito longe da graciosidade da princesa Ariel do ideal Disney; já com True Blood, existe uma similaridade com o clima espartano do local, além de seus habitantes, todos de comportamento dúbio; por fim, com a mais popular série de TV do momento, pois nesta produção original Netflix o que não falta é morte, um banho de sangue, que levanta a dúvida se irá sobreviver alguém vivo para o último episódio.
É certo que pelo arrojamento de Tidelands, a narrativa estaria em terreno fértil para conseguir alguns acertos, e o faz. Porém, na primeira metade da série há uma falta de vigor, muito devido sua protagonista, e a apresentação e resolução muito rápida de pequenos conflitos, vão distanciando o material de melhores resultados, e assim também o espectador, que dificilmente se conectará com a trama pela força e eletricidade da narrativa, e mais pela atração individual de alguns dos personagens.
Esta falta de vibração que ocorre na primeira metade da série, também é fruto de um roteiro muito explicativo, e que cai em algumas armadilhas de exposição em excesso, tanto que logo no primeiro episódio, algo que poderia ser trabalhado um certo suspense, já é entregue de bandeja para quem assiste, sem qualquer cerimônia. E, isso irá se repetir ao longo do enredo, mesmo no último episódio, isso lamentavelmente se fará presente, mesmo que em apenas um breve momento.
Nessas horas, um ator ou atriz mais cativante, ou com grande presença física conseguem segurar a barra, e oferecer mais cor e energia ao material, mas este não é o caso em Tidelands. A atriz e modelo Charlotte Best, se depender desta série da Netflix, não conseguiu fazer jus ao seu sobrenome. Óbvio, que é complicado exigir de um ator/atriz que tire um coelho da cartola em toda cena ou capítulo, quando as vezes nem lhe é oferecido cartola ou coelho, nem varinha mágica para tal, mas, não dá para esconder o fato de que Charlotte Best não apresentou a resiliência necessária, pois a jovem sofreu bastante, para carregar o peso da narrativa nas costas, e não ajudou muito o fato de o texto fazer a personagem chorar em todos os episódios, como uma mocinha de novela mexicana.
Ao contrário de seu par romântico Marco Pigossi, o caminhoneiro Zeca da novela de Glória Perez, A Força do Querer. O ator brasileiro, ex-global, nascido em São Paulo com Tidelands, divulga o primeiro de seus dois trabalhos feitos com a provedora via streaming, sendo a seguinte a série Cidades Invisíveis, produção nacional que falará de um submundo habitado por criaturas míticas que evoluíram de uma linhagem do folclore cultural brasileiro.
O galã das novelas brasileiras, e agora, da Netflix saiu-se minimamente bem em sua primeira aventura artística fora de seu país de origem, falando outra língua. Usando bem seus dotes físicos, Pigossi certamente atrairá a atenção de um público que almeja ver o ator desfilar seu charme. De alguns bons momentos dramáticos, como um diálogo que tem com Cal sobre às origens de ambos, o ator apresenta um trabalho digno em um texto desprovido de maior profundidade. Só faltou fazer uma melhor performance nas poucas cenas de luta, mal-executadas.
No elenco, outros atores reiteram esta irregularidade de Tidelands, dado que existem pontos altos e baixos, como as atuações de Peter O’Brien e Elsa Pataky, respectivamente. O ator australiano, muito popular em seu país, por ter sido parte do elenco original da soap opera Neighbours, que também ajudou revelar a atriz Margot Robbie, é quem de maneira cirúrgica e serena apresenta um trabalho mais natural e marcante, mesmo que aparecendo muito pouco. Agora, a atriz casada com Chris Hemsworth, raramente consegue fugir da caricatura e dos tiques vilanescos de sua personagem, sendo o ponto baixo desta série Netflix. Curioso que todos os homens da história, incluindo Marco Pigossi, possuem o mesmo sotaque do astro de Hollywood que estrela os filmes da Marvel Studios.
Contudo, uma luz no fim do túnel! Tidelands termina de maneira eletrizante, e consegue arredondar esse compacto de ideias de tal maneira que fica inevitável não sentir o mínimo de curiosidade com a aproximação do final da temporada, mais especificamente, os três episódios finais. Ao fim, é deixado um ótimo ‘cliffhanger’ para a próxima temporada da série. Apenas imagina-se que na próxima, haverão maiores ou mais interessantes conflitos.