O foco na dinâmica familiar é o grande trunfo da mais nova série da Netflix, The Umbrella Academy, que deve chamar a atenção do público por conta de sua premissa fantástica, mas que infelizmente não aproveita todo o potencial de suas peculiaridades.
The Umbrella Academy é baseada na HQ de mesmo nome criada por Gerard Way (conhecido por ser o vocalista da banda My Chemical Romance) e desenhada pelo artista brasileiro Gabriel Bá (com a HQ, inclusive, tendo sido premiada com um Eisner Award). A série acompanha a história de sete irmãos super-poderosos que são reunidos novamente após a morte de seu pai adotivo, e embora esta seja a maneira mais simples de se descrever o começo da trama, The Umbrella Academy ainda tem muito o que expor durante o seu excelente primeiro episódio.
O piloto desta nova produção da Netflix é notavelmente eficiente, introduzindo o tom excêntrico da série de formas marcantes, revelando as origens destes irmãos super-poderosos e suas dinâmicas com o misterioso pai, e apresentando cada personagem com suas falhas e personalidades muito bem definidas. Logo de cara, a série já estabelece o quanto estes personagens são “quebrados”, marcados por uma infância traumática incomum, com cada sendo afetado de formas diferentes por sua posição dentro da família, e pelas consequências de seus poderes.
Juntando tais personagens interessantes com circunstâncias intrigantes (um dos irmãos, o número cinco, consegue viajar no tempo, e retorna repentinamente após ter desaparecido anos atrás), e adicionando, ainda, alguns elementos mais bizarros (um macaco mordomo) para deixar clara, a proposta extravagante da série, há pouco com o que não se empolgar durante esta introdução de The Umbrella Academy. Este começo é, guardadas as devidas proporções, um dos melhores e mais eficientes que vi na televisão neste último ano.
No entanto, meu entusiasmo com o primeiro episódio foi sendo diluído conforme a temporada avançava, e nunca chegou nem perto do patamar inicial. Infelizmente, a série acaba caindo nas convenções e fórmulas que permeiam boa parte das séries da Netflix, com os personagens tendo suas diferentes tramas costuradas entre si em uma estrutura narrativa que, embora engajante, está repleta de clichês e desenvolvimentos previsíveis.
Todos estes personagens tem psicológicos completamente perturbados, e cada um por um motivo diferente. Mas ao invés da série procurar explorar estes obstáculos com determinação, o que temos são evoluções rasas que pouco aprofundam as identidades de cada irmão, e um roteiro que vai simplesmente posicionando-os de acordo com o necessidade da trama. Em parte, The Umbrella Academy quer manter vivo, um sentimento de urgência com a iminência do apocalipse. No entanto, se você tiver qualquer familiaridade com o gênero de super-heróis/ficção científica, não será difícil prever todas as principais viradas de roteiro e grandes revelações, o que, por si só, já limita bastante essa almejada urgência.
Conforme os episódios passam, The Umbrella Academy quer tentar intrigar o espectador expandindo a escala de sua história e implementando mistérios de forma pouco orgânica (“as crianças nunca podem saber” diz Pogo em uma cena feita exclusivamente para servir como gancho) cujas soluções causarão pouco choque ou surpresa no espectador menos casual.
Como de costume nesta situação, é frustrante perceber como The Umbrella Academy acaba minando o potencial de suas excentricidades por preferir seguir caminhos mais seguros e palatáveis. Todo mistério envolvendo Vanya (número sete, para os íntimos), por exemplo, poderia ter sido construído com mais tensão e suspense, para que o grande final da temporada tivesse um impacto melhor preparado. No entanto, quando o final chega, a única sensação que fica é a de mera completude.
A trilha sonora da série, por sua vez, deve ser um dos aspectos mais citados de The Umbrella Academy. Eclética e envolvente, as escolhas musicais às vezes podem soar um tanto gratuitas ou apelativas durante cenas não tão bem elaboradas. Quando encaixam, no entanto, produzem sequências realmente memoráveis (No primeiro episódio, temos uma cena sensacional onde cada irmão dança sozinho em diferentes quartos da casa ao som de “I think we’re alone now”).
Falando um pouco da trajetória de cada personagem, vamos em ordem decrescente: Número um (Luther, Tom Hopper) é talvez o menos interessante de se acompanhar, por conta de sua lealdade incorrigível para com o detestável pai, e só deve se tornar mais engajante com a próxima temporada. Número dois (Diego, David Castañeda) protagoniza várias das cenas de ação, mas sua sub-trama de vingança é difícil de considerar excitante em meio ao últimos episódios. Número três (Allison, Emmy Raver-Lampman) tem uma exploração mais interessante de seus poderes, ainda que sucinta.
Número quatro (Klaus, Robert Sheehan) é, de longe, o personagem mais interessante desta série. Seu poder de falar com os mortos gera situações tão engraçadas, quanto tensas, quanto significativas para a trama, e suas interações com o irmão Ben são ótimos exemplos do quanto a série seria capaz de explorar esses personagens com ainda mais relevância. Número cinco fica, por pouco, em segundo lugar, com sua habilidade de viajar no tempo e a divertida dinâmica de acompanharmos um velho no corpo de uma criança (E o jovem ator, Aidan Gallagher, deveria ser merecidamente reconhecido como um ator mirim para se observar, a partir de agora).
E por fim, número sete, Vanya, interpretada por Ellen Page. Embora o seu drama seja, evidentemente, o maior e mais adequado para se colocar em evidência, a previsibilidade que citei anteriormente acaba sendo o pior defeito de suas tramas. Page produz uma interpretação carismática, contida e contrastante com o resto dos irmãos, mas os melhores momentos da atriz só podem ser conferidos nos últimos episódios da temporada.
E com um final descaradamente aberto, The Umbrella Academy é capaz de instigar o espectador mais interessado em tramas de viagem no tempo e versões alternativas dos típicos arquétipos de super-heróis. Suas falhas narrativas, porém, podem impedir que a série alcance todo o impacto que poderia, no público. Uma segunda temporada, no entanto, pode encontrar terreno fértil para maiores explorações e riscos com a trama, tornando esta, uma adição mais do que válida ao acervo da Netflix. E a premissa da série, por si só, já traz motivos suficentes para querer conferir o material orignal.