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The OA | Crítica - Parte 2

Com sua primeira temporada tendo cativado boa parte do público, The OA retorna à Netflix de forma igualmente ambiciosa, fazendo um bom uso de seu longo hiato para dar continuidade às suas tramas principais com o devido discernimento.

A primeira temporada de The OA pegou muitos espectadores de surpresa durante o seu lançamento. Uma típica série “mystery box” (um termo utilizado para descrever obras que procuram instigar o espectador a formular teorias e antecipar grandes reviravoltas), The OA trazia uma trama de ficção científica interessante, precisamente dividida em capítulos que procuravam maximizar os seus efeitos no acompanhamento do espectador, e repleta de grandes conceitos que representavam uma proposta audaciosa para o cenário atual da TV.

Se o primeiro ano não chegou a surtir tamanho deslumbramento no espectador, ainda assim, seria difícil qualquer um negar que The OA era uma série, no mínimo, curiosa, com as maiores ressalvas ficando por conta da dependência desta proposta de suas eventuais conclusões. Esta segunda parte da série consegue validar vários pontos da jornada até então, e expande o universo da série de forma relativamente contida. Apreensiva com a exposição de suas divagações mais mirabolantes, a segunda temporada prefere focar na exploração de suas maiores diferenças com o primeiro ano, para engrandecer seus personagens e suas trajetórias.

Abraçando de vez o conceito de multiverso, a segunda temporada de The OA divide seu tempo acompanhando Prairie (ou Nina, ou OA, como quiser chamá-la…) em uma nova dimensão, onde sua disputa com o maléfico Hap (Jason Isaacs) ganha proporções ainda maiores. Com a nova dimensão, também somos apresentados a um novo personagem central para a trama, o detetive Karim Washington (Kingsley Ben-Adir), que fica encarregado de descobrir o paradeiro da jovem desaparecida Michelle Wu (a versão desta dimensão do personagem Buck), além do mistério por trás de um jogo virtual que paga quantias altíssimas para os seus vencedores.

A dinâmica que detetives trazem para qualquer série não é, nem um pouco, desconhecida do público. Acompanhamos o desenrolar da investigação, proporcionando algumas construções tangenciais para o universo da série, enquanto as peças por trás do quebra-cabeça principal se movimentam independentemente. Continuando a trama na dimensão original, temos os jovens aprendizes de Prairie tentando encontrar uma maneira de ajudá-la, enquanto precisam descobrir (desta vez, por conta própria) a extensão e as consequências destes estranhos conhecimentos que adquiriram.

São vários personagens, divididos em vários núcleos narrativos com relevâncias variadas para a trama geral, mas que nunca deixam de ser interessantes de acompanhar em seus próprios desenvolvimentos e questionamentos. Eventualmente, todas as linhas acabam se cruzando em um clímax cheio de revelações e intrigas, que embora não chegue a deixar explícito todas as intenções por trás de algumas escolhas da temporada, deve ser recompensador o suficiente para qualquer espectador que ainda esteja com a mesma disposição para ganchos e finais abertos.

O que realmente torna The OA mais fácil de se consumir, no entanto, é o uso de uma estrutura mista em sua temporada, mantendo os primeiros episódios com grandes durações, majoritariamente contidos, e acelerando consideravelmente o ritmo da trama na segunda metade da temporada, com episódios menores. O resultado, é uma produção que pode ser consumida de forma episódica, mas que provoca o espectador a aumentar o ritmo da maratona conforme se aproxima da conclusão, criando um envolvimento interessante com a série que poucas produções costumam conseguir gerar com naturalidade.

O elenco de The OA continua tendo seus bons momentos. Jason Isaacs consegue equilibrar bem a mundanidade de seu personagem com o desprezo que suas atitudes geram no espectador, enquanto Brit Marling (que também é criadora da série) merece o devido reconhecimento por sua interpretação marcante de uma protagonista que carrega uma enorme parte do engajamento e da empatia do espectador. Se Prairie não fosse, antes de mais nada, uma personagem interessante de se acompanhar, os esforços mais ambiciosos de The OA seriam, com certeza, rapidamente desperdiçados.

No lado mais técnico da produção, a direção dos episódios (a maioria, de Zal Batmanglij) continua eficiente em manter a devida compreensão de cenas mais complexas, sem dispersar o espectador. No entanto, as belas composições e sequências que marcaram a primeira temporada não possuem tantas comparações válidas nesta segunda parte. Ainda há, sim, momentos admiráveis, mas as mudanças de ambientes principais da trama parecem não trazer a mesma memorabilidade. A mesma decaída pode ser apontada no trabalho da trilha sonora, que perde algumas oportunidades de recriar o impacto dos ápices do primeiro ano.

Dizer que esta segunda temporada “explica” mistérios da primeira pode ser uma afirmação um tanto exagerada. Sinto que, na verdade, o novo ano trouxe evoluções orgânicas dos pensamentos e reflexões que a primeira temporada introduziu, e solidificou algumas ideias deixadas em aberto durante sua conclusão. A série começou sua história com ideias transcendentais que pendiam para lados mais espirituais, mas já se envereda por uma discussão mais objetiva destas ideias, buscando construir um cenário com regras mais definidas e fisicamente mais compreensíveis.

The OA merece análises mais aprofundadas sobre suas reflexões, e sobre a forma como progride sua história, mas é justo notar que a série não procura evidenciar seus debates metafísicos como um prato principal da produção. Ao invés disso, utiliza as principais conclusões e indagações deste debate para formar as regras de seu universo. Tal execução torna a série ainda mais empolgante para espectadores que se dispuserem à teorizar sobre a trama, mas também abre portas que fizeram séries como “Lost” e “Fringe” serem escrutinadas pelo público, com resultados mistos.

E o que dizer da ousadia deste final de temporada? Me pergunto se a série realmente estará disposta a adicionar “metalinguagem” à lista de tópicos complexos que procura trabalhar como parte essencial de suas tramas, e até onde poderia aprofundar suas discussões aproveitando mais este campo. Considerando que The OA é uma série original Netflix, e o quanto o serviço de streaming parece permitir todo o tempo requisitado pela produção para novas temporadas, não duvidaria de uma terceira parte que viesse acompanhada de mais alguma inovação em sua forma de consumo.

A segunda parte de The OA pode não possuir o mesmo brilho, ou o impacto deslumbrante de quando surpreendeu a todos em sua primeira temporada. Ainda assim, a série mantém suas intenções consistentes e seu nível de produção em um patamar digno de atenção. Muito do que a série se propõe a fazer depende profundamente de suas conclusões, e este novo ano pode ter dado continuidade à proposta com sucesso, mas ainda precisamos ver para onde a série pretende ir, antes de descobrirmos se The OA é apenas mais uma tentativa ousada, ou se estamos acompanhando uma parte da história da televisão sendo feita na Netflix.

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