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Samantha! | Crítica - 2ª Temporada

A segunda temporada de Samantha! comprova que a série é plenamente capaz de produzir tramas que vão além da superfície de sua proposta, com Emanuelle Araújo brilhando em meio aos absurdos desta sátira confortável de se assistir.

Samantha! é um ótimo exemplo de como a Netflix pode adequar um produto caracteristicamente nacional para o consumo de um público internacional tão abrangente quanto o da plataforma. Um resultado positivo que representa muito do que o serviço de streaming almeja com suas produções variadas, construídas para explorar o que há de mais interessante em cada cenário que abordam. E mesmo que o tom satírico da série tenha seus momentos de inconsistência tonal, basta que o espectador compre a proposta descompromissada para que aproveite a produção de forma marcante.

A série aproveita nossa familiaridade com o estereótipo dos artistas mirins que, muitas vezes, já foram parte fundamental do nosso cenário televisivo. A protagonista, uma ex-estrela mirim, lida com a perda deste seu maior apelo (o charme da idade) e passeia por diversas outras convenções da televisão brasileira (e mundial), com a série sempre exaltando o absurdo dessa realidade artificial, e da futilidade que marca o consumo popular.

O humor irônico da série é intenso, repleto de personagens caricatos que representam o pior do cenário midiático atual, no Brasil. Samantha cresceu em meio ao “showbiz”, e traz todas as características escrachadas de alguém que ilustra um produto absolutamente proveniente deste cenário, com a primeira temporada explorando suas frustrações e negações em meio a vida adulta, e sua decepção com a “realidade” de uma vida onde a artificialidade não surge naturalmente. Esta segunda temporada, no entanto, coloca a protagonista para questionar suas atitudes e sua mentalidade, decidida a “crescer” e se provar uma mulher madura.

A maturidade discutida nesta nova leva de episódios tem momentos produtivos para sua definição. Samantha inicia esta busca pensando que poderia capitalizar em cima de uma nova identidade, e quem sabe, se tornar relevante para o público, ao mesmo tempo em que ela mesma também quer se enxergar relevante. A proposta, por si só, já é capaz de gerar diversas novas situações cômicas para preencher a temporada, sem cair na mesmice ou na redundância de apenas continuar explorando sua premissa inicial. A realização que marca o último episódio, no entanto, consegue propor uma conclusão interessante para esta empreitada.

Emanuelle Araújo dá vida à protagonista de maneira memorável, perfeitamente inserida neste ambiente exagerado, mas sem cair em um disparate incômodo ou dispersante. Sua personalidade é sempre marcada pela maneira como foi criada no meio da fama, e suas atitudes refletem a mentalidade que, inocentemente, aprendeu a aceitar como ideal (além de desejada).

Esta construção cria uma identificação com o espectador, capaz de perdoar as ações fúteis e desconsiderativas da personagem, ao invés de isolá-la em um espaço de repulsa. A atriz interpreta a impetuosidade de Samantha com um carisma envolvente, e compõe tudo que se espera de uma protagonista com ponto de exclamação no nome, alcançando um equilíbrio precioso entre a presunção e a vulnerabilidade, capaz de explorar a proposta da série com mais produtividade.

A série também acerta ao dividir seu tempo de tela entre as sátiras do cenário televisivo, e as situações familiares de Samantha, Dodói (Douglas Silva) e seus dois filhos, proporcionando uma comédia mais fundamentada em aspectos pessoais, que podem cativar qualquer público, esteja esse ciente dos nossos estereótipos nacionais, ou não. Este segundo ano ainda introduziu a mãe de Dodói para incrementar estas dinâmicas familiares, comprovando o apreço da produção por este foco, e abrindo ainda mais espaço para as discussões desta temporada sobre maternidade, criação e amadurecimento.

Brincando com o “politicamente correto” em diversas piadas, Samantha! também consegue equilibrar a sua abordagem com os conflitos da filha, Cindy (Sabrina Nonato), por exemplo. Longe de ser um ode ao “politicamente incorreto”, como outras produções nacionais vem tentando exaltar atualmente, a série quer apenas retratar este cenário atual da comédia condenando as suas repercussões, mas compreendendo suas origens e motivações. Novamente, o tom satírico da série dá conta de retratar este universo com uma perspectiva mais crítica do que representativa.

O ritmo da série é consideravelmente acelerado, com piada atrás de piada, em textos rápidos que aproveitam a falta de naturalidade da própria abordagem para serem mais eficientes. E com episódios curtos, além de poucos, uma maratona de Samantha! dificilmente pode cansar o espectador (mais um ponto para o formato da plataforma).

Laila (Lorena Comparato), Marcinho (Daniel Furlan), Gretchen (a própria)… diversos personagens ficam responsáveis por compor as diferentes facetas deste mundo midiático em toda a sua superficialidade, com uma aceitação que é cômica justamente por ser absurda (Gretchen dizendo que está feliz pelo tempo de tela que Samantha está tendo durante um sequestro deve ser o melhor exemplo). Laila, por sua vez, traz a cultura das redes sociais para este cenário, e fiquei feliz de ver a personagem de volta nesta segunda temporada, uma vez que este lado da mídia também tem uma relevância incontestável para os questionamentos da série.

E no final, Samantha percebe que a maturidade não é algo que se prova, mas sim a compreensão e a aceitação do que nos forma, e do que almejamos. Sua vida como artista mirim é explorada através de flashbacks durante toda a temporada, e guia o espectador até esta realização junto com a personagem. A protagonista está longe de estar “concertada”, ou de ser tão bem resolvida quanto gostaria, mas o crescimento de Samantha depois destas duas temporadas é palpável, e ainda poderia gerar muitas tramas até que a personagem realmente compreenda todo este universo absurdo que a cerca, e como encará-lo da melhor maneira possível.

Samantha! é uma série que encontra ótimos momentos quando borra a linha entre a criança e o adulto, proporcionando uma comédia fácil de se acompanhar e de se identificar, ao mesmo tempo em que discute a futilidade da nossa sociedade com relevância. Torço para que a Netflix continue apostando na série, e com mais temporadas, também espero que este tom satírico continue se tornando cada vez mais consistente e pungente conforme Samantha continua “crescendo”.

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