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Star Trek: Discovery | Crítica - 2ª Temporada

Star Trek: Discovery pode não ser a série capaz de unir todos os lados de uma base de fãs tão ampla quanto a desta franquia, mas de forma imparcial, não há como negar que a produção é, no mínimo, uma das mais empolgantes obras de ficção científica da televisão atual.

A série continua experimentando diferentes abordagens para alcançar o equilíbrio perfeito entre ser fiel às características da marca Star Trek, e traçar o próprio trajeto capaz de conquistar novos espectadores e provar sua relevância no meio do cenário televisivo. Distribuída no Brasil pela Netflix, Star Trek: Discovery é pensada para alcançar um novo público, mesmo que este não seja tão conhecido do universo da franquia quanto vários fãs americanos, e suas tramas mirabolantes (além de um orçamento visivelmente chamativo) são mais do que suficientes para cativar a atenção de qualquer entusiasta do gênero, de qualquer idade.

Esta segunda temporada deixou de lado o tom mais “sombrio” que permeou a primeira temporada, com a guerra contra os Klingons pairando sobre a eficiente introdução desta tripulação, mas impedindo que pudéssemos começar esta nova jornada de forma mais orgânica. Esta proposta menos procedural, e mais aproximada dos filmes recentes estrelados por Chris Pine e Zachary Quinto, desagradou uma boa parte dos fãs antigos que sempre prezaram a execução procedural da franquia, responsável por produzir tramas e cenários contidos memoráveis e excitantes.

Tendo encerrado uma boa parte de suas tramas iniciais, a segunda temporada de Star Trek: DIscovery procura retomar esta proposta de “casos da semana” durante a sua primeira metade, deixando que o mistério do “Anjo Vermelho” carregue a narrativa mais abrangente, e mantenha o espectador curioso pelo próximo capítulo. Novos planetas, novas civilizações e, principalmente, várias soluções científicas inventivas e especulativas que, quando bem orquestradas para o público, representam alguns dos melhores momentos desta nova encarnação de Star Trek. No entanto, também podem ser alvo das maiores críticas, quando soam apressadas ou enfadonhas de acompanhar.

Para um fã de ficção científica, é sempre divertido e estimulante assistir à estas especulações, e aproveitar a confiança de uma narrativa que julga seu público plenamente capaz de seguir as linhas reflexivas apresentadas por longas conversas repletas de conceitos complexos. Retratar esta complexidade, no entanto, é onde mora o verdadeiro desafio. As soluções mais elegantes de Star Trek: Discovery costumam vir durante os conflitos de menor escala, enquanto as grandes reviravoltas ainda trazem uma grande necessidade de suspensão de ceticismo por parte do espectador.

Ainda assim, o entusiasmo da produção com sua exaltação da intelectualidade é um dos pontos que ajuda a diferenciar seu universo de tantos outros cenários de ficção científica (muitas vezes, distópicos e cínicos). Uma grande parte dos personagens é visivelmente culta, sempre citando obras de arte consagradas do nosso tempo, ou se empolgando com teorias e conceitos científicos. No mínimo, Discovery mantém Star Trek como uma franquia que faz você adorar até as matérias consideradas mais “chatas” do colégio, e convida o espectador a se empolgar também, ao invés de isolá-lo.  

As novas circunstâncias desta segunda temporada são revigorantes o suficiente para acreditar no potencial da série a longo prazo. Sem o receio de afastar a produção para longe demais de sua proposta inicial, personagens clássicos foram introduzidos com bastante tempo de tela, dinâmicas bem estabelecidas (como as particularidades de Saru) foram alteradas, e a influência da série dentro do enorme universo de Star trek foram elevadas consideravelmente. Várias teorias já surgem sobre os rumos que a terceira temporada deve tomar (algumas delas, bem produtivas e dignas de antecipação), enquanto também aguardamos o lançamento de mais uma produção situada neste universo, focada no futuro do personagem de Patrick Stewart, o cultuado capitão Picard.

Esta expansão da franquia se mostra consistente (e respeitosa) o suficiente para ampliar o debate sobre a moda dos universos compartilhados que vão, cada vez mais, marcando a televisão e o cinema. Ao invés de exibir suas limitações por estar no mesmo universo que as tão queridas séries do século passado,  Star Trek: Discovery continua encontrando lugares nunca antes visitados, para desbravar com audácia. Enquanto isso, também dedica alguns episódios à elementos de produções anteriores que possuem muito mais peso para aqueles que os reconhecem facilmente, procurando agradar a base de fãs aficionada. Mas nunca me parece que a falta de reconhecimento acaba alienando o espectador casual, e esta deve uma ser das conquistas mais almejadas por esta encarnação.

Antes tarde do que nunca, a série também deu espaço para que pudéssemos conhecer mais sobre a tripulação da Discovery, com construções de personagens notavelmente edificantes, umas mais graciosas que outras. Burnham (Sonequa Martin-Green), que continua sendo a protagonista inquestionável da série, pode gerar certa frustração em quem compará-la com capitães que lideravam os elencos das séries anteriores.

Mas, na verdade, Michael é uma personagem que busca reproduzir características destes seus antecessores, ao mesmo tempo em que assume dinâmicas completamente diferentes das que os fãs passaram a esperar de um protagonista desta franquia. Uma audácia que, quando analisarmos o quadro geral e o saldo desta produção, pode gerar resultados um tanto extremos, tanto para aqueles que a valorizarem, quanto para os que a condenarem.

E por fim, as brincadeiras com conceitos de viagens no tempo, diferentes dimensões e as reviravoltas excêntricas de Star Trek: Discovery continuam sendo muito aproveitáveis, deslumbrantemente cercadas por uma fotografia cinematográfica capaz de impactar qualquer espectador acostumado ao padrão televisivo atual, ainda que algumas de suas maiores ambições não consigam ser perfeitamente concretizadas, devido à limitação do espaço televisivo e a tecnologia disponível para este nível de produção.

A música de Star Trek. DIscovery, por sua vez, é simplesmente memorável. Robusta e grandiosa, a trilha sonora desta série eleva seus momentos de ação, e até mesmo meras conversas, à uma escala épica extremamente benéfica para a narrativa. Jeff Russo, o compositor, consegue criar uma atmosfera ideal para o espectador atual se encantar com este universo, enquanto também se atenta à convenções do gênero de maneira eficiente.

Star Trek: DIscovery continua sua ambiciosa jornada com um saldo positivo, ainda que possa dar um passo maior que a perna, de vez em quando. Sua relevância para a franquia, no entanto, é inquestionável, e seu potencial ainda tem muito o que apresentar nas temporadas que (eu espero) ainda estão por vir.

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