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Dilema | Crítica - 1ª Temporada

Uma produção curiosa, Dilema pode ser exatamente o que uma boa parcela do público procura para se distrair durante o final de semana, mas seu potencial escapista acaba entrando em conflito com a ambição da série de ser mais do que apenas uma diversão casual.

O primeiro episódio da nova série da Netflix faz um bom uso de seu tempo para estabelecer as principais relações entre seus personagens e apresentar toda a imponência da figura de Anne Montgomery, uma investidora que decide salvar uma bem-intencionada cientista da falência, mas apenas se ela concordar em ceder seu marido por uma noite, sem perguntas ou explicações.

Dilema possui uma abordagem que, na maior parte da temporada, não consegue conciliar-se com as características de seu estilo melodramático. Com um elenco liderado por Renée Zellweger, uma atriz conhecida do cinema, fica evidente a intenção da produção de se manter relevante durante as conversas da época de premiações, com o sempre enaltecido papel Zellweger se assemelhando muito ao que costuma chamar a atenção dos votantes do Emmy.

A atriz fica responsável por entregar diversos monólogos impactantes e impor uma presença cativante durante qualquer diálogo, além de apresentar as principais questões da discussão que a série propõe com suas tramas sobre moralidade e confiança. Sua interpretação faz jus ao patamar em que a personagem é colocada, mas acertadamente, a série compreende que a real identificação do espectador deve ser com a protagonista Lisa (Jane Levy), enquanto observamos e compreendemos a mentalidade de Anne em uma perspectiva exterior.

Levy, por sua vez, já é uma atriz conhecida por suportar, com eficiência, o protagonismo de uma produção, e a impetuosidade de sua personagem faz com que acompanhar Dilema seja uma experiência menos desgastante do que espectadores menos acostumados ao melodrama poderiam esperar. A dinâmica entre ambas as personagens sustenta o interesse do público ao longo dos dez episódios desta primeira temporada de forma engajante, e poderia ser ainda mais marcante se a série não estivesse repleta de equívocos provocados por uma dificuldade em alinhar seu potencial com sua abordagem.

Seria fácil apontar que Dilema é, simplesmente, uma série de ritmo lento, com desenvolvimentos alongados que estendem sua trama principal além do que o espectador poderia se sentir cativado o suficiente para acompanhar com entusiasmo. No entanto, a trama principal em si, com o suspense conspiratório que vai sendo construído ao redor das maquinações de Anne, é perfeitamente aproveitável em sua progressão, procurando deixar espaços para reflexões sobre os temas da série enquanto revela pequenas pistas instigantes para o espectador especular sobre os reais motivos da magnata.  

O problema está na maneira como a narrativa se expande para além deste suspense com uma integração questionável. Duas subtramas se mantêm constantes durante a temporada, acompanhando os outros casais da vida de Lisa com seus próprios dilemas e obstáculos que, embora sejam coerentes com as discussões da temporada, quebram o ritmo e o envolvimento da história principal com frequência, e impedem que a produção alcance a essencialidade necessária para que pudesse ser encarada com todo o prestígio que gostaria.

Em parte, poderia se dizer que esta divisão de narrativas é uma característica que se mantém fiel às convenções do melodrama televisivo. Novelas (tão conhecidas pelos brasileiros) podem ser usadas para exemplificar a maneira como o gênero procura sustentar diferentes tramas em micro-universo retratado de forma clara e palatável para qualquer público casual. Semelhantemente, um exemplo mais próximo pode ser a enorme quantidade de produções melodramáticas que conquistam públicos cativos em canais abertos dos EUA como a CW e a ABC.

Mas para as produções de canais fechados que procuram ganhar prêmios e serem estimadas como narrativas mais “valorosas”, o trabalho em cima desta estrutura narrativa precisa ser melhor adaptado para que possa recompensar a atenção do espectador com conclusões gratificantes e um aprofundamento edificante. Dilema tenta caminhar uma linha entre o entretenimento casual, que não necessita de tanta atenção, e o prestígio de ser considerada exemplar e construtiva, sacrificando parte do potencial de ambas as funções.

Enquanto a trama principal avança suas investigações e repercussões, principalmente no meio da temporada, adicionando cada vez mais intriga em meio à disputa entre as protagonistas, as tramas paralelas seguem seus próprios caminhos de formas relativamente contidas, preenchendo espaço entre uma reviravolta e outra. É claro que, se o espectador se pegar interessado pelos desenvolvimentos destas subtramas, a experiência será positiva, mas arriscar direcionar este interesse para tão além do suspense principal é uma estratégia, no mínimo, arriscada, e possivelmente desgastante.  

O resultado acabam sendo episódios alongados, que não chegam a entediar, mas que também não conseguem capitalizar o peso dramático enaltecido por uma trilha sonora repleta de acompanhamentos enfatizantes e interpretações expressivas. Ao mesmo tempo, a profundidade das questões apresentadas pela série acabam sendo deixadas de lado, com questionamentos e soluções superficiais, em função da dinâmica novelesca que a produção aproveita com firmeza.

Se DIlema abraçasse suas características mais empolgantes, poderia ser uma série que cativaria uma grande público atraído por reviravoltas mirabolantes e relações calorosas entre personagens atormentados. A maneira como seria encarada, então, perdoaria construções menos elaboradas em função de um ritmo mais envolvente e o impacto de grandes revelações. Mas como a série prefere manter-se disposta à reflexões mais profundas sobre as diferentes perspectivas de moralidade, acaba soando menos substancial do que gostaria, justamente por não entregar construções melhor fundamentadas.

Seria ultrajante entregar a grande reviravolta da temporada, mas há de se discutir a maneira como esta virada pode soar um tanto gratuita, uma vez que, embora tenhamos acompanhado diversos exemplos da mentalidade de Anne, suas ações não antecipavam ou indicavam aspectos suficientes para que possamos aceitar a grande revelação com todo o impacto que merecia. Eleva-se o drama mirabolante, mas cai o prestígio, em mais um desequilíbrio narrativo que limita a memorabilidade da série.

Dilema apresenta personagens fáceis de se acompanhar, cujas atitudes são chamativas o suficiente para nunca deixar a série enfadonha. E seus exageros dramáticos são perfeitamente apreciáveis, quando acompanhados no tom adequado para esta história. Mas sua pretensão de ir além das características que tanto preza, comuns às produções mais casuais, acaba tornando-a uma série que requer mais esforço e aceitação do que suas tramas deveriam precisar para serem aproveitadas.

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