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Slasher | Crítica - 3ª Temporada

A terceira de temporada de Slasher tem propostas interessantes para substanciar o gênero que se dedica a explorar com as discussões atuais sobre preconceito e intolerância, e embora não chegue a ser uma produção tão distinta quanto gostaria, consegue construir um ambiente produtivo para suas dinâmicas de suspense.

Esta terceira leva de episódios da série antológica aborda a onda de assassinatos que assola um prédio de classe baixa, onde os inquilinos possuem relações problemáticas entre si, geralmente por conta de uma intolerância ignorante. Depois da morte de Kit (Robert Cormier), um vizinho conhecido por sua rotina depravada, fica evidente a falta de empatia e compreensão dos outros moradores que não se dispuseram a ajudá-lo durante o assassinato. Como se já não fosse trágico o suficiente, uma moradora tira sarro em sua rede social, dizendo que a vítima “teve o que merecia”, e acaba sendo isolada e aterrorizada pelo restante do prédio por sua insensibilidade.

Com essa breve descrição, já é possível perceber que a hipocrisia toma conta de muitas das atitudes deste grupo de personagens. Um ano depois do crime, o ódio que circula pelos corredores deste prédio só vai se alimentando cada vez mais, conforme a história progride e se intercala com flashbacks que revelam as repercussões, tanto do assassinato, quanto do ajuizamento sobre a moradora e sua família. De início, esta abordagem sobre intolerância pode soar um tanto gratuita (uma personagem acusa outra dizendo, com todas as palavras “Quem corta cabeças? Muçulmanos!”), mas conforme a série se desenrola, sua proposta vai se tornando mais relevante e aproveitável.

No entanto, dois outros aspectos devem chamar mais a atenção do público nesta terceira temporada. Primeiro, a violência gráfica impactante que marca presença em todos os episódios, com mortes viscerais e métodos “criativos” de se acabar com a vida de personagens da forma mais grosseira possível. Os requintes de assassinos profissionais estão longe de serem considerados por aqui, com o “Druida” mutilando, fatiando, torturando e agonizando suas vítimas de formas bem diferentes, sempre repletas de muito sangue sendo espalhado pela cena inteira.

Esse “gore” que permeia a temporada também reflete as disposições da série de se manter fiel ao gênero “slasher” dos filmes de terror, e deve agradar os fãs que consideram o desconforto de cenas grotescas como sendo divertido ou excitante, mas não chega a entrar em um patamar completamente risível que alteraria o tom desta história para algo mais próximo dos filmes B ou “trash”. Neste quesito do gênero em que procura se encaixar, a temporada mantém uma consistência confortável para o espectador que sabe o que está procurando.

O outro aspecto chamativo é a estrutura desta temporada, que se propõe a contar os eventos de um único dia, dividindo três horas deste ciclo por cada episódio de quarenta e poucos minutos. A execução tem seus altos e baixos. ignorando boa parte das minúcias do tempo que outras séries procuram prezar para adquirir uma atmosfera de realidade, mas que muitas vezes acabam sacrificando o ritmo e a empolgação da trama. Por aqui, temos um equilíbrio eficaz nesta distribuição de tempo, que embora não chegue a produzir nenhuma empolgação por si só, também nunca soa arrastada ou redundante.

Em parte, este bom ritmo é um resultado da divisão de foco entre diferentes personagens, com alguns recebendo maior atenção no começo da temporada do que outros, em tramas mais contidas. Ao longo dos episódios, personagens que estávamos acompanhando com mais destaque acabam se tornando vítimas do “druida”, dando espaço para que o foco da narrativa se revire novamente em um rodízio bem trabalhado para compor a dinâmica deste conturbado prédio (Vendo por este lado, Jack Bauer, de “24 Horas”, acaba soando atarefado demais em seus dias mais lotados…)

No entanto, também é possível que o espectador possa não se sentir tão engajado por esta história, durante os primeiros episódios, justamente pela falta de urgência que pode ser percebida no começo. A real investigação só começa a gerar frutos suficientes para que possamos nos envolver com a solução do caso durante os últimos episódios, seguindo uma estrutura cuja construção para o clímax se assemelha mais a de um filme, do que de uma série com capítulos que deveriam manter-se engajantes por si só.

Mediana em sua primeira metade, Slasher acaba ganhando força durante sua reta final, proporcionando momentos ainda mais chocantes (com direito à uma cena nos moldes de Jogos Mortais), e aprofundando sua discussão sobre o ódio e a intolerância conforme apresenta suas soluções e justificativas para o mistério principal. Algumas destas soluções, inclusive, conseguem fugir da pragmaticidade que vinha sendo notada, até então ( destaco a maneira como uma personagem percebe o que está acontecendo na caldeira).

Se filmes “slashers” costumam aproveitar, ao máximo, estereótipos comuns ao gênero, esta terceira temporada de Slasher acaba fazendo um uso interessante de estereótipos “modernos”, reconhecidos a partir do que vem sendo visto na mídia atual, como o “nacionalista branco” e o “hipster”. E brincando com estes estereótipos, conclui sua história de forma construtiva para a discussão que propõe, invertendo expectativas e retratando que o ódio sempre gera ódio, mas que não se justifica apenas por ser uma consequência.

Também é curioso notar como uma série tão gráfica e repleta de mortes chocantes acaba discutindo a dessensibilização desses personagens perante o terror que presenciam. Por mais irritante que possa ser a personagem Violet (Paula Brancati), suas tramas exibem a distorção que as redes sociais acabam proporcionando para a sociedade, onde por trás de uma tela, o choque se torna espetáculo, e a falta de consideração pode passar despercebida (até que chegue um “serial-killer” para cobrar a conta).

Slasher consegue ir um pouco além de sua primeira impressão genérica, ainda que demore para provar sua relevância perto de tantas outras produções que aproveitam o potencial de baixo orçamento do gênero, e o apelo de uma proposta aterrorizante. Não chega a ser indispensável, mas aqueles que apreciam sua violência desmedida e sua atmosfera de tensão não devem se decepcionar com o resultado final. Como série antológica, percebe-se um potencial que, pelo menos, não foi ignorado por esta terceira temporada, e pode se concretizar ainda mais em histórias futuras.

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