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Tuca & Bertie | Crítica - 1ª Temporada

Desenvolvida por uma das produtoras de Bojack Horseman, Tuca & Bertie não tem a menor vergonha de ser desenho, aproveitando as liberdades do formato para trazer toda a sua irreverência em meio à uma história moderna de amadurecimento.

Basta conferir qualquer imagem da nova série animada da Netflix para que o espectador se lembre de Bojack Horseman, um dos maiores sucessos da plataforma. No entanto, a série estrelada por Will Arnett sobre um ex-ator em meio ao caos de Hollywood, com toda a sua sátira escancarada, é ironicamente muito mais “séria” do que a nova produção, que preza o perfil cômico de suas duas dubladoras principais, Tiffany Haddish e Ali Wong, trazendo ainda mais petulância e dispersão em uma trama sobre a vida dos jovens-adultos desta geração.

Não seria difícil imaginar que Tuca & Bertie tenha surgido de um arquivo de piadas e situações que possam ter sido sugeridas em Bojack, mas que não se encaixavam no cenário satírico da animação, ou extrapolavam seu estilo cômico. Por aqui, percebe-se a liberdade para tratar de qualquer assunto corriqueiro, mais familiar ao público geral do que as loucuras de Hollywood, com certas sequências contidas dentro dos episódios sem a necessidade de manter-se uma coerência narrativa tão estrita.

Ainda em relação às inevitáveis comparações de Tuca & Bertie com Bojack Horseman, o “design” da nova animação parece um tanto mais simples do que na série anterior, com cenários menos polidos, embora repletos de singelas piadas visuais. Em parte, pode ser uma questão orçamentária, mas também é condizente com a proposta da série de diferenciar esta produção através de histórias mais rotineiras, menos deslumbrantes do que a realidade de Bojack, dificilmente incomodando o espectador por sua simplicidade.

Mas enfim, Tuca & Bertie consegue se desvencilhar de suas comparações ao abraçar o surrealismo de seu formato, diferente de várias outras produções animadas da Netflix. Mesmo tratando de temas relevantes para o seu público alvo (na reta final da temporada, pelo menos), a série se aproveita de diversos elementos comuns a desenhos animados de várias eras, distorcendo a física descomprometidamente e misturando efeitos visuais com realidade. Para aqueles que acham as séries animadas adultas da Netflix mundanas demais, Tuca & Bertie será muito bem-vinda.  

Haddish interpreta Tuca, uma tucana desbocada que serve de veículo para várias piadas típicas do estilo da atriz. Ao seu lado, Wong assume a personagem Bertie com uma personalidade mais contida do que costuma apresentar em seus especiais de comédia.  Ambas as protagonistas lidam com os obstáculos comuns ao começo da vida adulta em meio a um universo absurdo com plantas adolescentes sarcásticas e onças roxas de estimação. Além de Steven Yeun completando o elenco principal, interpretando o namorado de Bertie, diversas outras figuras famosas (como Awkwafina e Taraji P. Henson) emprestam suas vozes em participações especiais ao longo da temporada.

Tuca & Bertie é uma série repleta de absurdos, com diversas quebras de realidade (por mais irreal que ela já possa ser) brincadeiras com metalinguagem e muita lisergia. Dentre todas, talvez a maior diferença entre esta série e Bojack Horseman seja a enorme quantidade de elementos psicodélicos e incoerências que permeiam a grande maioria das cenas. O que temos é uma série animada visualmente estimulante, cheia de disparates e efeitos sonoros eletrônicos que buscam impactar os sentidos do espectador. As cenas rápidas e os desenvolvimentos abruptos de cada episódio também buscam impedir que o público se sinta entediado de qualquer forma.

Na questão do texto em si, a irreverência é a lei durante metade da temporada, passando por alguns temas recorrentes na mídia atual (como assédio e ansiedade) para progredir seus personagens e manter linhas narrativas claras em cada episódio, mas onde os absurdos chocantes e as piadas são o grande foco do roteiro. São várias piadas, uma atrás da outra, sejam visuais, trocadilhos ou falas atrevidas. Mais uma vez, o estímulo é o grande objetivo da produção, que não quer deixar o espectador desatento em momento algum.

A metalinguagem da série também contribui para essa constante excentricidade, com textos ilustrativos surgindo em diversas situações. Assistimos à representações visuais discrepantes (como em um momento onde Tuca relembra uma situação específica, e a reconstrução é feita através de fantoches), além de episódios com números musicais. Igualmente chamativas, diversas transições entre uma cena e outra trazem composições psicodélicas ou meramente dispersas, como parte do formato de cada episódio.

Conforme a temporada caminha para sua conclusão, no entanto, o roteiro re-direciona boa parte de seus esforços para tratar das questões sobre o começo da vida adulta, e os problemas enfrentados pela geração atual na faixa dos vinte anos. Ambas as personagens possuem dificuldades ao encarar a necessidade de assumirem compromissos e responsabilidades, além de enfrentarem problemas em sua amizade. É curioso notar como diversas “histórias de amadurecimento” atuais tratam sobre este período pós-faculdade, ao invés de abordarem a puberdade como costumava ser comum dentro deste “gênero” que os americanos chamam de “coming-of-age”. Um reflexo da mentalidade “millennial”, este descobrimento da vida adulta parece estar proporcionando terrenos mais férteis para várias produções contemporâneas.

Com Haddish e Wong entregando personalidades cativantes às suas personagens, a proposta de LIsa Hanawalt para Tuca & Bertie se aproxima ainda mais do que definiria um “desenho” para adultos. Seus temas podem ser direcionados para este público (além da inclusão de diversos elementos não recomendados para crianças), mas a lisergia e o divertimento descompromissado deste formato majoritariamente infantil estão em plena evidência. A série pode soar bagunçada em sua psicodelia constante, enquanto tenta equilibrar discussões pontuais sobre maturidade no mundo atual, mas é uma bagunça, no mínimo, atraente de se conferir.

Tuca & Bertie se destaca por seus atrevimentos e por seu enorme número de piadas. Pode ser cansativa para aqueles que não se interessarem por toda a balbúrdia dos primeiros episódios, mas aqueles que estiverem envolvidos o suficiente para continuar acompanhando, logo devem se identificar com as personagens em suas trajetórias. Seu ritmo acelerado contribui para o consumo do público comum da Netflix, e contando com as identidades cômicas das dubladoras principais como chamariz, não me surpreenderia se a série fosse renovada.

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