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O Escolhido | Crítica - 1ª Temporada

Nova série nacional da Netflix, O Escolhido sabe aproveitar os apelos de sua premissa e progride suas tramas com uma velocidade atraente para o público casual da plataforma. No entanto, a produção também pode ser definida pela sua falta de sutileza, tanto em sua construção narrativa, quanto nos argumentos levantados dentro de suas principais discussões. 

O Escolhido acompanha uma equipe de três médicos, enviados para o Pantanal com o objetivo de administrar uma vacina obrigatória contra uma mutação do vírus Zika, em uma população de um pequeno vilarejo que deliberadamente procura se isolar do resto do mundo. Os habitantes da região rejeitam a vacina fervorosamente, com o aparente líder do grupo dizendo que esta não é necessária, uma vez que os habitantes de Aguazul sequer ficam doentes, e só morrem por causas naturais quando assim desejam. 

Logo de início, então, já é introduzida esta dinâmica que com certeza atrai a atenção do espectador, posicionando médicos céticos em meio a um ambiente regido pela fé inquestionável. O potencial embate de “ciência x fé” é preparado com entusiasmo pelo roteiro da série, estabelecendo as mentalidades de seus principais personagens de forma didática e pouco maleável para o espectador, beirando caricaturas por conta de suas superficialidades. 

Frases como “A ignorância é a religião mais potente do planeta” também acabam expondo a falta de aprofundamento que a série exibe ao longo de seus episódios, e já me fizeram questionar se a produção teria toda a disposição necessária para contribuir às discussões que propõe de forma relevante. Durante os primeiros episódios, no entanto, estes estabelecimentos temáticos dividem a atenção com a construção da atmosfera de suspense que também é prezada em O Escolhido, procurando intrigar o espectador com elementos “místicos” relacionados ao misterioso culto em volta desta suposta figura religiosa. 

E embora os dois primeiros episódios possam dar a sensação de estarmos assistindo a mais uma abordagem comum destes temas, a série não demora para responder várias de suas perguntas instigantes, alterando profundamente a dinâmica que vinha sendo utilizada e reposicionando seus personagens para novos conflitos acelerados. Pode acabar deixando de lado certos desenvolvimentos que teriam sido benéficos para suas discussões, mas inegavelmente irá engajar espectadores que estejam mais interessados em compreender o universo da série e escancarar seus mistérios. 

Sem demora, então, somos apresentados ao tal “escolhido” que guia a religião desta população com a suposta benção divina de seu “pai celestial”, deixando clara sua posição comparável às figuras proféticas e arautos religiosos comuns à tantas religiões. O escolhido (Renan Tenca) é venerado em sua posição por possuir o dom da cura, uma milagrosa prática que lhe permite curar qualquer flagelo físico de seus seguidores com uma curiosa água azul, e dada a sua eficiência evidente, até mesmo os médicos céticos não demoram a aceitar que estes milagres não podem ser apenas produtos de delírios coletivos.

Ao se enveredar, cada vez mais, por estes caminhos menos sutis com sua construção de universo, a série gradualmente limita qualquer espaço deixado para o questionamento do espectador, ou a especulação de possíveis explicações racionais para estes fenômenos. Prefere, portanto, aprofundar e esclarecer o funcionamento desta religião e exibir as partes mais problemáticas da relação entre o escolhido e seus seguidores.   

E mais uma vez, percebemos que a série não está tão interessada em propor argumentos abrangentes para sua discussão atraente, preferindo utilizar-se deste cenário para cativar seus espectadores pela tensão e pela intriga desta história. O escolhido em si, é construído de forma excêntrica e (novamente) pouco sutil, não dando oportunidade para que o espectador possa interpretar sua mentalidade por conta própria. É uma figura que está sempre gerando repulsa ou tensão, longe de poder causar a mesma admiração que possui de seus seguidores do vilarejo. 

O escolhido é uma produção nacional que não aproveita o potencial de seu cenário social tanto quanto capitaliza em cima da estética e da atmosfera de seu cenário visual (que, por sinal, é bem explorado para situar e envolver o espectador). No Brasil, a adoração religiosa e a prática de cultos são elementos que podem dizer muito sobre a sociedade em que vivemos, e principalmente, sobre a distância absurda que pode haver entre as ideologias de membros diferentes desta mesma sociedade. 

Explorar o debate entre a fé e a ciência requer ilustrações mais extensivas e menos taxativas do que pode ser visto por aqui, e considerando a variedade do público nacional, perde-se a chance de propor reflexões produtivas para o estado desta discussão dentro do nosso país, visando a geração que consome as produções da Netflix. Ficamos limitados, então, a observar desenvolvimentos como a provável vaidade do escolhido e a inconsequência de seus fanáticos, enquanto os médicos são atormentados por este cenário de absurdos retratados com obviedade (com direito a crianças rabiscando desenhos religiosos, serpentes e corujas a espreita e máscaras elaboradas bem macabras). 

Tais negligências temáticas causadas pelo ritmo acelerado da série podem tornar, na verdade, a experiência de acompanhar O Escolhido mais imediatamente estimulante para o público. Breves flashbacks são inseridos em cada episódio, proporcionando esclarecimentos objetivos sobre o passado de cada personagem e seu papel dentro desta história. Conflitos dinâmicos, com resoluções relevantes para o ambiente em que cada personagem se encontra a cada episódio, também são resultado deste entusiasmo desmedido do texto por seu universo e sua figura controversa inflexível.  

O Escolhido também é uma série que parece ter tido seu texto aprovado em inglês, visando a exportação da produção para o mercado internacional da Netflix. A estratégia costuma gerar produções com diálogos plásticos e desprovidos de naturalidade e tais aspectos também podem ser percebidos por aqui, mas frequentemente se mascaram em meio ao tom (olha aí de novo) pouco sutil desta narrativa. Há de se considerar, também, o quão explícitas são as funções de cada fala dentro destes diálogos, o que já tornaria alcançar esta organicidade, ainda mais difícil. 

E depois de seis episódios, O Escolhido encerra esta sua primeira temporada com algumas resoluções para seus arcos, mas com ganchos bem mais expressivos que visam capturar a atenção do espectador para uma possível segunda temporada. O resultado acaba sendo aproveitável para quem se sentir engajado pelo ambiente de tensão destas matas, mas será frustrante para aqueles que se empolgarem com os levantamentos iniciais da série. Com um segundo ano, quem sabe poderemos adentrar estes territórios mais a fundo.

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