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Stranger Things | Crítica - 3ª Temporada

Em sua melhor temporada, Stranger Things entrega uma trama mais contida e mais bem resolvida ao longo de seus novos oito episódios, aproveitando o crescimento de seus protagonistas e encontrando espaço para novos desenvolvimentos, mas sem supersaturar seu universo. 

Stranger Things ganhou a atenção do grande público e da crítica por conta de sua reverência desenfreada aos anos 80, compondo histórias que se aproveitavam de elementos bem conhecidos da época enquanto caminhava uma linha tênue entre a nostalgia cansativa e a reinvenção potencialmente produtiva. O resultado final da primeira temporada conseguiu manter-se relevante perante as comparações, mas a exploração deste universo de referências se mostrou menos inventiva do que poderia durante o segundo ano, apesar da evolução destes protagonistas ter mantido o engajamento da série, estimulante. 

Nesta terceira parte, os roteiristas parecem ter resistido a tentação de continuar expandindo sua mitologia, e deixam de lado certos elementos introduzidos anteriormente, relacionados à grande trama de conspiração em volta dos experimentos que originaram Eleven. Não espere ver novas crianças super-poderosas ou revelações mirabolantes sobre os objetivos por trás destes fatídicos experimentos. O foco, desta vez, está em construir uma trama própria para o terceiro ano, trazendo de volta os perigos do Mundo Invertido de forma mais objetiva e menos propensa à interpretações e teorias de fãs. 

Embora esta tenha sido a proposta desde o começo, a terceira temporada de Stranger Things é a que mais abraça sua estrutura cinematográfica, entregando um filme de quase oito horas que acompanha diferentes núcleos narrativos bem definidos, compostos por agrupamentos de personagens cujos arcos nem sempre soam tão empolgantes ao longo do caminho, mas que se justificam e gratificam o espectador uma vez que a história se conclui. Vamos por partes, então…

O grupo principal da temporada é composto por Mike (Finn Wolfhard), Will (Noah Schnapp), Lucas (Caleb McLaughlin), Max (Sadie Sink) e Eleven (Millie Bobby Brown). Depois da entrada de Max no grupo, fiquei ansioso pelas interações que a nova integrante poderia ter com Eleven, e o novo ano parece ter enxergado o mesmo potencial na formação da dupla, proporcionando uma nova perspectiva para as personagens que já não são mais vistas como as “forasteiras” da trama. A relação de Eleven com Mike também continua em destaque, sendo um dos dramas adolescentes que preenchem a narrativa de forma eficiente e emotiva. 

O outro grupo de jovens acompanha (o redimido) Steve (Joe Keery) em seu novo emprego na loja de sorvetes ao lado da personagem Robin (Maya Hawke). Longe do grupo principal, Dustin (Gaten Matarazzo) volta para sua dinâmica com Steve, o que foi um dos pontos altos da temporada anterior, e continua sendo uma escolha revigorante para formar estes núcleos diferentes da série. Ao lado de Robin, a entrada da pequena irmã de Lucas, Erica (Priah Ferguson), também demonstra como Stranger Things tem a capacidade de apresentar novos personagens de forma relevante para suas histórias, com interações envolventes, além de abrir espaço para futuras histórias com estes novos integrantes. 

O ritmo da temporada acaba caindo quando estamos acompanhando os núcleos de Hopper (David Harbour) / Joyce (WInona Ryder), e Nancy (Natalia Dyer) / Jonathan (Charlie Heaton). Como disse anteriormente, o arco dramático destes personagens acaba sendo produtivo uma vez que cruzamos a reta final, mas suas investigações compassadas acabam alongando os episódios individualmente com resultados menos engajantes para uma maratona (e se tem uma série que quer, com certeza, ser maratonada, essa série é Stranger Things). 

Ainda assim, mesmo estes personagens continuam tendo seus papéis dentro deste universo, que apresenta problemas completamente mundanos no início da temporada e garante uma progressão estimulante até seu emocionante clímax repleto de ação. A relação de Hopper e Eleven, por exemplo, acaba ancorando o envolvimento do espectador em problemas perfeitamente relacionáveis, típicos da adolescência.

Quando digo que este terceiro ano parece mais bem-resolvido, incluo este apreço dos roteiristas por manter as dinâmicas entre seus personagens concisas e facilmente identificáveis. A mitologia da série é explorada com mais atenção a si mesma, do que as inúmeras referências que, apesar de ainda permearem a série, não soam como remendos ou saídas fáceis para a trajetória desses personagens em meio aos novos perigos. Há uma maturidade perceptível nesta temporada, não necessariamente em um sentido temático, mas na maneira como a própria série enxerga sua construção de universo e suas propostas narrativas. 

A mesma maturidade também pode ser notada nos trabalhos visuais destes novos episódios, que continuam sendo tão chamativos e excêntricos quanto o público já passou a esperar desta série, mas com um entusiasmo melhor direcionado ao longo das sequências mais elaboradas, desde a fotografia de ambientes mais mirabolantes, até os quadros impactantes específicos que se inserem em meio às cenas com uma atenção lúdica empolgante ( um momento do duelo de Hopper com um antagonista em frente à entrada do portal pode ser um bom exemplo desta abordagem). 

E sem revelar muito sobre os andamentos da temporada, é interessante notar a construção dos novos antagonistas, que talvez represente a maior preservação da abordagem referencial que definia a série em seu começo, mas que também demonstra o quanto Stranger Things está evoluindo a maneira como se aproveita desta referências, desde o uso do estereótipo dos russos militares da guerra fria, até o assassino sangue-frio “quase-robótico” que persegue Hopper e Joyce. Quanto ao Mundo Invertido, basta dizer que personificar o mal que lá habita foi uma boa ideia para a dinâmica da temporada, proporcionando uma distinção produtiva para com as anteriores. 

E depois do grande embate que encerra a terceira temporada de Stranger Things, poderia-se dizer que a série estaria em uma boa posição para ser concluída por aqui mesmo. As evoluções dos personagens podem ser percebidas de forma recompensadora para o espectador, e embora ainda haja muito que possa ser explorado pelos roteiristas dentro do que foi estabelecido neste universo, não se sente a necessidade inquietante de seguir com esta exploração. 

Corre-se, ainda, o risco de banalizar a “estranheza” do que foi mostrado até aqui, e novas temporadas precisam dar um jeito de trazer “coisas ainda mais estranhas” sem soarem repetitivas ou, por outro lado, pouco características para a série. Imagino que a melhor opção seria assumir um salto temporal, e deixar que a puberdade termine seu curso natural com o elenco, retornando com estes personagens mais velhos, de forma revigorada. Com o foco, a eficiência, e a diversão vistos neste terceiro ano, tenho certeza que o público esperaria o tempo que fosse necessário para retornar à estas histórias.  

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