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Criminal: Espanha | Crítica - 1ª Temporada

A curiosa empreitada da Netflix continua em Criminal: Espanha, uma versão que aproveita parte dos méritos apresentados pela proposta original, mas que também acaba distorcendo-a, tanto tematicamente, quanto em sua execução. 

Criminal: Espanha é, na verdade, uma das quatro séries que compõem a coleção Criminal. A proposta deste conjunto de produções é acompanhar, exclusivamente, a fase do interrogatório de uma investigação, com um suspeito para cada episódio, e com cada série se passando em um país diferente. Esta é a segunda das quatro críticas feitas para analisar a coleção completa. Você pode conferir as outras abaixo:

Criminal: Reino Unido

Criminal: França

Criminal: Alemanha

Chega a ser instigante poder acompanhar diferentes roteiristas e diretores aplicando suas próprias execuções em uma proposta tão sólida quanto a desta coletânea de séries. Tal variedade não é tão incomum na televisão, uma vez que raramente um único roteirista/diretor possui a autoria completa da produção, mas se tratando de Criminal, as diferenças entre cada série vão demonstrando características típicas de cada país em que se passam, com a versão espanhola não só adotando uma estética mais descontraída, como também prezando o melodrama acima da curiosidade comportamental. 

Uma das diferenças mais gritantes desta versão, é o foco na chefe desta unidade, Maria (Emma Suaréz), que pode ser considerada a protagonista inquestionável da série. Suas atitudes e perspectivas ditam boa parte da narrativa, e muito do fardo carregado pelas atuações de todas as quatro séries, acaba recaindo sobre a personagem nestes três episódios. Nota-se, também, o quanto as relações e personalidades dos detetives acaba ganhando mais destaque nesta versão. Enquanto no Reino Unido, tais relações eram construídas com sutileza e funções complementares, aqui ela servem como a principal ligação ao engajamento do espectador. 

O primeiro episódio traz uma suspeita cuja personalidade peculiar acaba sendo o foco da trama, já proporcionando uma distinção divertida para esta versão. Isabel segue diversos clichês de seu estereótipo como a “madame” obcecada por cachorros de competição, com a personagem chegando até a reconhecer tais clichês dentro do interrogatório. Por conta desta personalidade vibrante e um tanto caricata, os momentos onde a suspeita é confrontada pelos detetives acabam se tornando ainda mais desconcertantes por conta das mudanças de comportamento. 

Um dos grandes trunfos da proposta de Criminal é explorar as diferentes abordagens empregadas pelos detetives a cada episódio. Neste início, a dupla interroga Isabel de forma amigável e descontraída, já estabelecendo um molde menos friamente calculista do que se via na série anterior. Até mesmo o próprio caso, envolvendo a possibilidade de se sacrificar uma cadela por esta ter comido o corpo da vítima, já traz um nível de absurdo que talvez seja mais atraente para o público espanhol (e em muitos casos, brasileiro também). 

Mas mesmo neste que foi um episódio cuja tensão vinha focando no comportamento da suspeita, a grande reviravolta não acaba sendo gerada pela confissão, mas sim pela atitude moralmente questionável de Maria, que decide manipular o interrogatório, uma vez que a suspeita não está nem com um advogado presente (continuo achando a maneira como estas séries integram a figura do advogado nesta dinâmica, um dos aspectos mais produtivos do formato). 

O segundo episódio diminui o nível do absurdo, mas não abre mão dos momentos dramáticos chamativos, e estrutura sua trama de forma bem mais formuláica do que a série tem permissão para ser, antes que acabe se tornando entediante. A proposta de Criminal depende muito da inventividade dos roteiristas para gerar situações revigorantes, e da habilidade dos diretores de conseguir utilizar este espaço limitado da forma mais produtiva possível. O enquadramento continua tendo alguns momentos dignos de nota por aqui, mas é na atuação da suspeita Carmen, e nas revelações perturbadoras de seu caso, em que se apoia o apelo emocional. 

Os detetives de Criminal: Espanha são mais voláteis do que se espera dentro desta proposta, e suas atitudes emotivas acabam entrando na frente da exploração psicológica que traz potencial para cada novo episódio. O equívoco da descontração com que se trata este ambiente de tensão vai além de uma paleta de cores mais quentes (e sua vista exterior ensolarada), chegando a banalizar certos aspectos da proposta original em função de um retrato mais atraente, e por vezes genérico, destes personagens.   

Eis que o terceiro episódio traz toda esta execução à tona, buscando fechar a temporada em alta. O suspeito em questão, um traficante de renome, possui ligações pessoais com Maria, e tal drama acaba tomando conta da atmosfera do interrogatório com consequências previsivelmente acaloradas. Voltamos a ver, também, a questão da imoralidade que permeia este grupo de detetives, começando com o policial responsável pela prisão do suspeito, que é levado a mentir sobre sua agressão indevida, em um depoimento utilizado contra o traficante em seu interrogatório. 

Me incomoda, no entanto, que a versão espanhola tenha se disposto a integrar tantos momentos de corrupção moral em meio aos seus personagens, mas não demonstra ter muita vontade de discutir tal questão, ou de construir paralelos construtivos entre a “busca pela verdade” e a suposta “busca pela justiça”, que acabam sendo tópicos interessantes de se explorar dentro desta proposta. 

O fim do episódio é marcado por uma vitória pessoal da protagonista, mas também por uma derrota nas mãos de outro detetive com um lapso de consciência. Tais resultados e interações pessoais acabam soando gratuitos demais para uma série que aborda justamente as nuances do comportamento humano sob pressão, e fazem de Criminal: Espanha, uma mera versão competente dentro daquilo que se propõe, ainda que distorcidamente. 

A proposta da coleção Criminal como um todo está constantemente lutando contra a sensação entediante de se acompanhar uma mera conversa em um espaço fechado. Tudo que é possível ser enfatizado, precisa ser, seja pela trilha, pela fotografia, pela atuação ou pela maneira como a montagem consegue transitar entre os longos diálogos de forma fluida e cativante. Se as cenas trazem a sensação de estarem alongadas demais, ou se a tensão do interrogatório não consegue atiçar a curiosidade do espectador, ficamos apenas com a afeição aos protagonistas. Pelo menos, ainda pode-se perceber uma atenção à direção de cena de um elenco que, sem dúvidas, continua sendo o destaque. 

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