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(Des)encanto | Crítica - 2ª Temporada

O reconhecível humor de Matt Groening retorna à Netflix nesta segunda parte de (Des)encanto, mas enquanto a primeira leva de episódios parecia ainda estar se decidindo entre adequar-se aos moldes da plataforma de streaming, ou seguir a linha mais casual das outras animações do autor, desta vez é perceptível que a produção deu preferência à segunda opção. 

(Des)encanto chegou à Netflix com a promessa de satisfazer os fãs órfãos de Futurama. Enquanto a cancelada animação se apoiava bastante em referências e paródias do gênero de ficção científica, Bean (Abbi Jacobson), Elfo (Nat Faxon) e Luci (Eric André) protagonizam suas próprias versões de uma típica jornada fantasiosa em um mundo de magia e reis incompetentes. Não é preciso ter muita boa-vontade para reconhecer o potencial da proposta, ainda mais quando se leva em consideração o currículo de Groening. Mas apesar dos primeiros dez episódios terem entregue alguns bons momentos em suas representações irreverentes, havia uma inconsistência na maneira como a série pretendia ser consumida pelo amplo público da plataforma. 

Apesar do pouco tempo para desenvolver seus personagens, a animação conseguiu estabelecer uma dinâmica bem simples entre o trio protagonista, porém cativante o suficiente para render tramas cômicas fechadas em típicos episódios procedurais. No entanto, também é possível notar que a série estava tentando construir um universo mais substancial e narrativamente engajante para conquistar espectadores aficionados, tirando proveito do modelo de “maratona” que costuma chamar atenção na Netflix. Tal construção também trouxe alguns elementos inventivos e divertidos, mas cujo potencial não conseguia ser tão bem explorado por conta desta dispersão narrativa. 

Pois bem, eis que a segunda parte de (Des)encanto se dedica a tentar redirecionar alguns de seus esforços para estabelecer um modelo mais focado para suas histórias. Se antes, tínhamos ganchos narrativos inseridos para manter o espectador curioso sobre este universo (o casal de bruxos das trevas com gostos peculiares), a nova leva de episódios já resolve boa parte de suas pontas soltas logo no começo, deixa de lado certas construções (como a dos misteriosos antagonistas), e logo se assenta em um novo “estado comum” com seus protagonistas. 

O chamativo final da primeira parte havia alterado boa parte das dinâmicas principais da série. A protagonista foi se aventurar com sua mãe por terras desconhecidas, a Terra dos Sonhos se tornou pedra, deixando o pai de Bean reinando sobre nada, e Elfo continua morto em uma praia. Meros dois episódios resolvem todos estas impactantes alterações, e ao invés de encaminhar seus protagonistas para uma típica jornada épica em busca de algum objeto importante, ou reino lendário, que ditaria a narrativa da temporada, a história se afasta da escala que vinha construindo para entregar episódios que (em sua maioria) podem ser perfeitamente aproveitados isoladamente. 

Felizmente, as novas e pequenas tramas ainda são perfeitamente capazes de agradar o público (seja este composto por fãs de fantasia que reconhecerão as brincadeiras com o gênero, ou espectadores casuais que apenas buscam um humor descompromissado). O formato procedural descontraído pode não ser tão engajante à primeira vista, mas a descontração mais consistente desta segunda parte demonstra que a série poderia perfeitamente se tornar tão produtiva e confortável quanto sua predecessora.  

Muitos já haviam notado que uma das referências mais óbvias na construção da série é o universo de “Game of Thrones”, apesar dos elementos mágicos mais absurdos de (Des)encanto. O primeiro episódio desta nova temporada ainda vai mais fundo com a referência, e introduz a terra natal da mãe de Bean com um estilo semelhante ao continente Essos, onde Daenerys passa a maior parte da história na série da HBO. No entanto, também é válido notar que a animação parece menos determinada a se manter restrita aos elementos de fantasia nesta segunda parte. 

Um dos episódios, por exemplo, envolve uma trupe de elfos circenses aplicando um “grande roubo” nos moldes de produções do tipo, enquanto outro episódio, na reta final, introduz elementos do gênero “steampunk”, expandindo consideravelmente este universo, mas sem muito comprometimento. Esta expansão gradual menos determinada pode ser o caminho certo para que a animação consiga manter-se divertida e confortável para o espectador, enquanto conquista um público mais empolgado com o tempo. Claro que, para tanto, serão necessárias bem mais temporadas do que os produtores pareciam acreditar que teriam, durante o começo desta história.  

Esta segunda parte também soa menos engajada em discursos e representações sociais com suas novas tramas episódicas. AInda temos algumas discussões em volta do papel de princesa de Bean e o contraste com sua personalidade, ou ironias com os costumes arcaicos de uma sociedade medieval… Mas no geral, a série parece estar mais descontraída, o que também a torna menos expressiva. 

(Des)encanto continua demonstrando um  avanço interessante na abordagem visual do estilo característico das produções de Matt Groening. Enquanto os traços e composições trazem toda a esperada similaridade com “Simpsons” e “Futurama”, a mescla entre elementos 2D e 3D continua rendendo algumas sequências mais atrativas que engrandecem a atmosfera da série. Mas o que mais me chama a atenção nestes aspectos visuais, no entanto, continua sendo o trabalho de iluminação e sombreamento que é feito em cima destes modelos 2D, adicionando profundidades sutis que dificilmente poderiam ser alcançadas sem aplicações digitais menos comuns ao estilo de Groening. 

E novamente, terminamos a temporada com um grande gancho narrativo que deixa aberto o caminho para grandes reviravoltas em uma continuação (já confirmada para o ano que vem). Mas dado o novo foco descontraído desta segunda parte, será que poderíamos esperar evoluções tão drásticas para este universo? Ou novos episódios apenas resolveriam rapidamente qualquer gancho e logo retornaríamos ao “estado comum”?

Esta estratégia narrativa foi dominante durante décadas de produções televisivas, e sempre conseguiu manter os espectadores, tanto aficionados quanto casuais, satisfeitos e engajados. Mas dentro da Netflix, tal noção simplista de continuidade não costuma ser o suficiente para distinguir a série de tantas outras opções dentro do acervo. No entanto, o potencial de (Des)encanto continua evidente, e o humor, pelo menos, vai ganhando tons mais consistentes agora que já se concluíram vinte episódios. 

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