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Black Mirror | Crítica - 5ª Temporada

Estamos bem distantes do primeiro-ministro britânico com seu polêmico porquinho, mas Black Mirror continua provando sua relevância nesta nova leva de episódios que mantém a consistência de sua proposta, apesar de nem sempre entregar aquilo que o público passou a esperar destas histórias.

Quando Black Mirror estreou na televisão britânica, o público internacional não deu tanta atenção, mas a série encontrou seu espaço dentro de um nicho que a manteve em evidência ao ponto de, eventualmente, chamar a atenção da Netflix. Uma vez que a série foi posta ao alcance de um público tão amplo quanto o da plataforma de streaming, seus episódios conquistaram a atenção que mereciam, mas as histórias de Charlie Brooker também acabaram sendo lembradas e julgadas pelo choque imediato que produziam no espectador, o que nunca foi, necessariamente, a maior aspiração da série.

Sendo assim, esta quinta temporada pode soar um tanto dispensável para aqueles que esperam grandes reviravoltas, mas seus três novos episódios trazem roteiros tão interessantes quanto o padrão estabelecido por Black Mirror, ainda que nem sempre consigam propor respostas marcantes às questões que abordam. É válido notar, no entanto, o foco desta temporada em um tópico que vem sendo explorado cada vez mais pelas produções atuais: A crescente dificuldade e fragilidade das relações humanas em um mundo dominado pela versatilidade tecnológica. Charlie Brooker não poderia estar em um ambiente mais confortável…

Começando por Striking Vipers, o episódio protagonizado por Anthony Mackie que também traz alguns outros nomes conhecidos do cinema blockbuster atual (Pom Klementieff, Yahya Abdul-Mateen II e Ludi Lin). Aqui, temos um cenário típico desta série antológica, com direito a mais uma interpretação da tecnologia de realidade virtual, e divertidos detalhes cenográficos como celulares dobráveis modernos.


Esta primeira história, fiel ao espírito da série de denunciar os possíveis males da tecnologia, fala sobre o distanciamento causado pelas redes sociais e ambientes virtuais que acabam tornando a monogamia mais entediante, menos estimulante, perante um mundo repleto de estímulos feitos sob medida. Discute-se, então, o comprometimento do protagonista com sua esposa de longa data, e como o apelo de relações virtuais acabam diminuindo ainda mais sua atração pela parceira.

A palavra-chave por aqui é justamente “relação”. O distanciamento causado por estar atrás de uma tela (ou usando um dispositivo VR) pode trazer a sensação de que estas ações não são reais, como se não possuíssem nenhum valor a ser moralmente questionado. O amigo do protagonista compara estas atitudes com “assistir pornô”, mas a maneira como ambos os personagens acabam sendo sugados para um relacionamento consistente implica muito mais do que apenas a casualidade que preferem usar como justificativa. Com uma relação como esta, por mais artificial que possa ser o seu cenário, seria inevitável que houvessem repercussões no casamento do protagonista.

O episódio progride evidenciando a dificuldade do personagem de se comunicar, tanto com o amigo que está debaixo do “avatar” virtual, quanto com sua esposa frustrada, e até consigo mesmo e seus sentimentos. E considerando como o episódio se encerra, talvez teria sido mais produtivo mostrar o jogo para a esposa desde o ínicio. Afinal, ela também era tentada por escapes de sua realidade, como qualquer um neste mundo relativamente entediante.

Se o primeiro episódio propunha uma discussão interessante, que acaba não tendo uma resposta muito além daquilo que já poderia se imaginar logo no início, o segundo episódio é construído em volta de uma premissa extremamente chamativa para os tempos atuais. Andrew Scott (conhecido dos fãs de séries britânicas) traz mais uma ótima interpretação no papel de Chris, um motorista que sequestra um funcionário de uma empresa similar ao Facebook, e que pretende matá-lo caso não consiga falar com o fundador da empresa.

Colocar Mark Zuckerberg no telefone por alguns minutos e poder questionar todo o papel que o Facebook vem tendo na “evolução” de nossas relações sociais com certeza é uma ideia que chama atenção e possui grande potencial. O episódio não se dispõe a aprofundar nenhuma grande análise desta influência das mídias sociais, mostrando-se mais interessado em construir um retrato de seus perigos, e de sua fragilidade. Mais uma vez, condizente com a proposta da série como um todo, Smithereens também é o episódio desta temporada que melhor trabalha sua tensão e sua urgência,  mantendo um ritmo crescente que envolve o espectador conforme as escalas e riscos aumentam ao redor do carro de Chris.

E por fim, temos o tão esperado episódio com Miley Cyrus interpretando uma popstar responsável por influenciar toda uma geração de fãs, mas que se sente presa em sua imagem pública (Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Ou não). Este é o episódio que mais tinha potencial de escancarar um comportamento extremamente prejudicial para a nossa geração, retratando a superficialidade de discursos calculadamente motivadores. A protagonista do episódio sente falta de sua mãe, e encontra conforto na artificialidade de uma indústria musical que mira em nossas necessidades emocionais de forma (ao menos, como foi retratado por aqui) inescrupulosa.

Uma questão extremamente relevante para se propor depois de episódios que evidenciam o desespero e a frustração de indivíduos que foram profundamente afetados pelo excesso de estímulos de ambientes virtuais. Mas Rachel, Jack and Ashley Too acaba se tornando o episódio mais escapista da temporada com sua reviravolta, provavelmente procurando agradar o público que preza pela inventividade de Black Mirror com seus aspectos de ficção científica.

O resultado final acaba sendo divertido de acompanhar, e Miley Cyrus satisfaz as expectativas em torno de seu papel, mas infelizmente, há pouco o que se tirar desta discussão proposta pelo episódio depois do grande clímax, e a sensação produzida para o espectador está longe de ser tão desesperadora quanto estamos acostumados. Ao menos, pode-se dizer que esta foi uma temporada equilibrada com suas emoções, e ouso dizer que o retorno ao formato de três episódios por temporada pode ser muito benéfico para a série como um todo.

Black Mirror continua sendo “muito Black MIrror”, e Charlie Brooker parece estar focado em manter sua consistência narrativa acima de tudo. Esta quinta temporada preserva a identidade da série com eficiência, e propõe questões relevantes para o nosso mundo atual com boas performances de todos os elencos desta leva. Torço para que, no entanto, Brooker consiga nos trazer possíveis respostas mais instigantes para suas perguntas no próximo ano.

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