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Cara x Cara | Crítica - 1ª Temporada

Acordou com aquela velha sensação de estar sem vontade de fazer nada o dia inteiro? Então pode ser que a nova série da Netflix estrelada por Paul Rudd, Cara x Cara, seja justamente o que você precisa.

Rudd é um ator majoritariamente conhecido por comédias (muitas delas produzidas por Judd Apatow), mas também ganhou ainda mais fama com o público jovem depois de assumir o papel de Homem-Formiga do Universo Marvel nos cinemas. O carisma consistente do ator é o que costuma ser seu maior atrativo em qualquer um de seus papéis anteriores, mas como Miles (e consequentemente, o clone de Miles), Rudd também encontra espaço de sobra para entregar uma performance produtiva, em um personagem que conversa com aspectos íntimos, porém comuns a qualquer espectador. 

Cara x Cara não é a típica comédia espalhafatosa que aproveitaria sua trama de clonagem para produzir piada-atrás-de-piada sobre o absurdo de se ter alguém igual a você perambulando por aí. É claro que a situação não deixa de ser cômica por si só, e causa problemas de sobra para manter a série divertida, mas o real foco da nova produção da Netflix é aproveitar seu tom cômico e surreal para discutir assuntos incômodos com mais leveza do que estes costumam vir acompanhados. 

Miles é a personificação do sentimento de estagnação que aflige tantas pessoas em um certo período de suas vidas. O personagem possui um emprego bom (ainda que aspire por algo diferente), uma típica casa de subúrbio americano, e uma boa esposa com a qual se acomodou. Para muitos, esta seria uma vida invejável, mas para o protagonista, a pressão de seguir com esta vida do jeito que ela é, acabou com qualquer determinação ou estímulo que o personagem já tenha sentido antes. Entra, então, a parte cômica de Cara x Cara. Um dos colegas de trabalho de Miles lhe recomenda um spa “milagroso”, capaz de torná-lo um novo homem. A graça, no entanto, está no quanto este spa leva tal afirmação ao pé da letra…   

É curioso como a série decide manter a perspectiva deste começo da história focada no verdadeiro Miles, acompanhando-o logo depois do procedimento absurdo e mantendo-o, logo de cara, como “o original”. O trailer da série, por outro lado, havia ido na direção contrária, revelando as reais repercussões do procedimento de forma mais chocante para o espectador. Creio que a escolha narrativa da série (diferente do material promocional) é um exemplo de como este roteiro visa, muito mais, concentrar esforços na exploração de seu protagonista, ao invés de capitalizar em cima destas circunstâncias absurdas para chamar atenção. 

Ao manter a perspectiva do “Miles original” em evidência, o roteiro também equilibra sua atmosfera surreal com um tom mais depressivo ou incômodo, tal qual é sentido durante a primeira cena da série. Logo no início, os personagens já entendem sua situação, partem para tirar satisfação com o tal spa duvidoso, e o motivo pelo qual o procedimento não ocorreu corretamente já é facilmente esclarecido (gás ruim). Com tamanha objetividade para a trama, então, sobra espaço para que se possa exaltar as reações dos Miles, e propor ao espectador refletir sobre como seria poder escolher entre apenas “ser você” ou realmente “viver a sua vida”. 

A caracterização dos dois personagens auxilia o espectador na hora de distingui-los, sem muitos problemas. Mas mesmo que o clone não fosse diferenciado por seu cabelo melhor penteado, a interpretação de Paul Rudd também traz distinções suficientes para um mesmo personagem, porém com atitudes diferentes. Há momentos em que o ator, inclusive, precisa conter tais diferenciações para não produzir personalidades completamente distintas para os personagens, o que iria contra as intenções do roteiro. 

A questão é justamente comparar ambas as versões de Miles, e reconhecer suas semelhanças, muito mais do que qualquer diferença. O mesmo personagem, com as mesmas memórias e a mesma personalidade, pode se sentir desestimulado para continuar vivendo sua vida, por mais “perfeita” que ela possa parecer em qualquer outro momento. 

“Você realmente está com inveja de você?”

Também é justo perceber como a série mantém o interesse das repercussões do procedimento no casamento de Miles. De início, a disposição e o estado de espírito do clone são incrivelmente benéficos para o seu trabalho, e para melhorar a maneira como os outros o enxergam. No entanto, é na relação do personagem com sua esposa, Kate (Aisling Bea), que realmente está a sua maior prioridade, e a série retrata o quão fácil é “dar por garantido” um aspecto tão importante, quando ele se torna constante.

Mas por mais que o clone possa ser muito mais agradável de se ter por perto, uma troca tão abrupta nunca conseguiria deixar de ser meramente artificial, tal qual é retratado durante o episódio dedicado à perspectiva de Kate (cuja interpretação da atriz também é digna de nota, ao contrabalancear a visão do protagonista). 

Sendo assim, a série vai deixando a vida profissional de Miles de lado, até o ponto onde o protagonista não está nem ligando se receberá um grande prêmio por seu trabalho, ou não. E por fim, Cara x Cara propõe que o espectador reflita sobre aquilo que valoriza, diariamente. Afinal, se até Tom Brady precisa passar por este procedimento para ter a vida que tem, isso quer dizer que, quando se trata de problemas tão íntimos, ninguém está tão isento assim, Mas principalmente, também quer dizer que a mudança de atitude pode vir de uma mera alteração de perspectiva (e nem precisamos de uma representação tão literal quanto um clone para tanto).  


Esteticamente Cara x Cara nunca chega a ser tão bem elaborada quanto é em seu roteiro, e apesar de entender a proposta depressiva da fotografia de boa parte da temporada, ainda é possível perceber o potencial desperdiçado de diversas sequências, onde poderia-se complementar os estados do protagonista com mais criatividade.

Meu único outro incômodo, porém, vem por conta do final abrupto do último episódio (além de alguns elementos pouco explorados, como a irmã de Miles), o que me soa como uma intenção de deixar espaço para uma eventual segunda temporada. Mas para o que se propõe, a nova série da Netflix tem conteúdo suficiente para entregar um resultado construtivo ao espectador, e uma bela adição ao currículo de Paul Rudd. 

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