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DIablero | Crítica - 1ª Temporada

Embora a campanha de divulgação de Diablero tenha focado muito mais na presença de Christopher Uckermann como protagonista desta produção mexicana, a nova série da Netflix é capaz de agradar um amplo público aficionado por séries sobrenaturais, apresentando uma mitologia envolvente e personagens divertidos de se acompanhar.

Diablero traz um mundo onde os anjos desistiram da humanidade, e os demônios andam corriqueiramente entre nós. Humanos dedicados a impedir que estes demônios façam mal à sociedade são chamados de Diableros, representados pelo personagem Elvis (Horacio Garcia Rojas), que traz muitos dos elementos típicos deste estereótipo de “caçador”, e procura conquistar a afeição do espectador com sua personalidade inconsequente e seu charme cafajeste (Nada muito novo por aqui).

Sem muita enrolação, a temporada logo apresenta os outros personagens que farão parte do grupo principal de “caçadores”, integrando-os em uma dinâmica de grupo perfeitamente funcional para o andamento da trama, de maneira orgânica, e dando o devido destaque a cada membro do grupo para que os personagens possam ser reconhecidos pelo espectador além de suas meras funções. Uckermann, por sua vez, interpreta o padre Ventura, um candidato a bispo que se vê distanciado da igreja após descobrir que a filha raptada de uma amiga é, na verdade, sua filha também.

Durante toda a trama, percebe-se como a história expressa uma completa descrença da religião e dos morais estabelecidos pela igreja. Condizente com a ideia de anjos que abandonaram a humanidade, os personagens não possuem nenhum respeito ou admiração pelas instituições religiosas, e dispensam vários comentários de Ventura simplesmente pelo fato dele ser um padre, convicto de suas crenças e tradições. Esta descrença também está presente na criação da antagonista desta temporada: uma freira que quase foi morta por um padre (após este tê-la engravidado), e se voltou para as práticas arcanas.

A fé (ou melhor, a falta de) é um tema recorrente em Diablero, ainda que não seja discutido com muito aprofundamento. Ao invés de discutir seus dilemas religiosos e o embate entre convicções de seus personagens, a série dedica muito mais tempo à exposição de sua mitologia e do universo sobrenatural que aborda, procurando conquistar o mesmo público de séries como Supernatural, Lucifer e a recentemente cancelada Outcast.

Também membro do grupo principal, Nancy é uma personagem feita sob medida para se tornar a “favorita dos fãs” desde sua introdução. Suas habilidades especiais tornam-a ideal para assumir o protagonismo em cenas de confronto, e sua personalidade descontraída é atrativa para o espectador que tem prezado muito, nos últimos tempos, personagens femininas fortes, construídas com esta mesma proposta em tantas outras produções. Ainda que não seja muito original, Nancy consegue se destacar perante várias de suas comparações mais imediatas, por conta da atuação, digna de nota, de Giselle Kurt.

A proposta de Diablero, no entanto, foi executada com algumas inconsistências durante a temporada. Os demônios da série são tratados como “ferramentas”, sempre direcionados por algum personagem, sendo, até mesmo, utilizados como “armas” em uma briga de gaiola ilegal. Suas ameaças são retratadas sempre através do choque visual ou da violência, e como o orçamento da série não é dos maiores, não demora muito até o espectador perder o medo destes antagonistas, diminuindo a atmosfera de tensão que parecia melhor estabelecida nos primeiros episódios (A maneira como Nancy é capaz de controlar estes demônios, por mais divertida que seja, também auxilia nesta quebra de tensão).

Porém, é importante notar como a série parece buscar um equilíbrio entre a tensão/terror e a aventura descompromissada, regada à alívios cômicos e situações absurdas, ainda que nem sempre consiga implementar a melhor estrutura para estas mudanças tonais do roteiro. Parte do humor não funciona por contradizer o ambiente da cena, e algumas das sequências mais assustadoras acabam não tendo a antecipação necessária. Este conflito tonal nunca chega a ser incomodamente discrepante, mas também impede que alguns episódios atinjam todo o seu potencial.

Diablero traz cenas de ação e terror que devem agradar a parte menos comprometida do público. A caracterização dos demônios lembra, em parte, a abordagem visualmente desconcertante da franquia “Evil Dead”, e evidencia ainda mais a proposta da série de manter uma certa descontração. Para fãs do gênero, há um entusiasmo perceptível na produção de algumas sequências um pouco mais mirabolantes, que mantém o ritmo dos episódios fluindo com eficiência. Este entusiasmo, no entanto, não compensa a montagem pobre de alguns conflitos, em que os planos são cortados de forma tão frenética, que chega a ser difícil distinguir a ação.

A maneira como a série lida com a exposição de sua mitologia também traz algumas inconsistências (estas, talvez, um tanto mais incômodas ao público). Embora as regras deste universo sejam acessíveis e subjetivas o suficiente para que não acabem se contradizendo, sinto falta de uma melhor valorização dos elementos sobrenaturais, que acabam sendo banalizados pela pragmaticidade do roteiro. Sou o primeiro da fila quando se trata de construções de universos fantásticos e “sistemas mágicos”, mas é necessário criar uma identificação entre o público e este universo, para que possamos explorá-lo com propriedade. O último episódio parece muito mais preocupado com a introdução de ganchos narrativos para temporadas futuras, do que com a conclusão significativa da trama, até então.

E pensando sobre o futuro de Diablero, anjos continuam sendo um ponto interessante desta história, mas a maneira como são retratados pelo final da temporada é pouco instigante. Outros ganchos como o “Conclave” e o destino do filho de Keta (Fátima Molina), pelo menos, deixam espaço o suficiente para que os fãs teorizem à vontade, enquanto esperam uma segunda temporada que (eu acredito) estaria muito melhor estabelecida e consciente de suas intenções, pronta para expandir ainda mais este universo e proporcionar uma escala ainda mais envolvente para novas tramas.

Esta primeira temporada de Diableros cai em algumas armadilhas narrativas, e nem sempre consegue corresponder sua ambição. Mas, nem de longe, deveria ser deixada de lado por qualquer fã de séries sobrenaturais, apresentando muitos elementos engajantes e estabelecendo uma dinâmica de grupo perfeitamente funcional, capaz de protagonizar muito além do que vimos até aqui. MInha esperança, é de que a série continue empolgada com seu universo, e saia da zona de conforto com seus personagens. Quem sabe, com um orçamento um pouco maior, uma segunda temporada poderia colocar a série em evidência para o vasto público da Netflix, por muito mais do que apenas a presença de Uckermann no elenco.

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