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Eu Vi | Crítica - 1ª Temporada

Com valores de produção mais atrativos do que muitas comparações imediatas, Eu Vi é a mais nova série que busca capitalizar em cima da afirmação de ser “baseada em fatos reais”, para intrigar o público fã deste recorrente formato.

O mais novo “reality show” a entrar para o catálogo da Netflix se propõe a retratar o relato de “pessoas reais” que se sentam com amigos e familiares para revelar suas experiências com elementos sobrenaturais. De maneira geral, as histórias seguem os típicos clichês de “assombrações verídicas”, com fantasmas persistentes e fenômenos inexplicáveis que sempre geram interpretações parciais ao espectador.

Enquanto a história é narrada, a série intercala dramatizações pouco sutis, mas notavelmente eficientes, que retratam as principais situações de tensão e terror visual, presenciadas pela “vítima”. Várias destas sequências trazem uma fotografia mais rebuscada do que se espera dentro deste formato, e são dignas da maioria dos filmes de terror lucrativos, lançados nos últimos anos. Estruturando cada uma das narrativas de maneira dinâmica dentro de seus curtos (aproximadamente) vinte minutos, a montagem da série ainda consegue produzir sequências de tensão com ritmos adequados (Mas, convenhamos, os roteiros que compõem estas passagens dramáticas são rasos, e não possuem muito desenvolvimento além do essencial). A trilha sonora, por sua vez, reflete a mesma eficácia de outros atributos técnicos, guiando muito bem a atenção do espectador ao longo da tensão proposta, e complementando expressivamente diversas passagens da narração.

Estas dramatizações são, com certeza, o melhor atributo de Eu Vi, e devem compor uma experiência satisfatória para todos aqueles que acreditarem na afirmação da série de que estas histórias são completamente (ou até, parcialmente) verídicas. É claro que, dentro destas sequências explicitamente dramatizadas, a produção da série aproveita sua devida liberdade para enfatizar ou complementar os relatos, com a intenção de intensificar a experiência do espectador, e beneficiando-se do apelo que “fatos reais” trazem para o público. Por exemplo, see o narrador não estava presente na situação que cita, a produção tem espaço para preencher as lacunas desta perspectiva com representações mais chocantes do que pode ter realmente acontecido, uma vez que a situação está sujeita a imaginação.

No entanto, considero extremamente difícil acreditar que qualquer um destes relatos está sendo registrado autenticamente. Muitas vezes, o descaso da produção chega a provocar riso, com o que só consigo classificar como desonestidade descarada, tal qual é percebido em diversas outras produções com propostas semelhantes, igualmente apelativas e desprovidas de consideração com o seu público.

Com o intuito de validar o que está sendo narrado pela vítima da vez, amigos e familiares escutam estas revelações, e reagem esporadicamente, balançando a cabeça, se emocionando levemente, fazendo perguntas pontuais… Sempre de maneira bem superficial, ou pouco crível. São raros, os momentos em que se percebe qualquer naturalidade palpável nestas reações, ou mesmo nas interpretações que estes narradores têm de suas histórias. Em vários momentos, os relatos ganham tons dramáticos em suas descrições, que dificilmente soam espontâneos, vindos destas vítimas que estão, supostamente, traumatizadas.

No segundo episódio, acompanhamos a história de uma mulher cujo pai era um serial-killer responsável por diversas atrocidades que, com certeza, deixaram ela, e sua irmã, mentalmente afetadas pelo resto de suas vidas. Este pai psicopata ainda acaba, eventualmente, se envolvendo com rituais sobrenaturais e é possuído por um demônio, de acordo com o relato da vez. No entanto, nunca houve nenhum envolvimento da polícia, não se tem uma única evidência realmente concreta de qualquer uma das atrocidades cometidas, e a vida das irmãs seguiu seu curso normalmente, com o serial-killer tendo, inclusive, contato com seu neto. Histórias como essa soam muito mais como “contos de fogueira” do que confissões reais de pessoas que passaram por eventos marcantes e aterrorizantes. Falta-se a noção de consequência para tornar qualquer uma destas trajetórias, plausível.

Toda e qualquer evidência apresentada por Eu Vi está sujeita ao questionamento imediato do espectador, sem a menor preocupação aparente da produção por estas ressalvas. Além do eventual desenho infantil (supostamente feito pela vítima em questão, anos atrás) a série tenta validar suas narrativas com fotos antigas, enfeitadas por uma identidade visual sinistra, e um ou outro “especialista” que se senta com as vítimas nos últimos episódios. No quinto episódio, em que o relato envolve uma abdução alienígena (facilmente, o episódio mais fraco, e menos impactante de toda a temporada), um destes “experts” diz já ter ouvido, várias vezes, testemunhos semelhantes em sua carreira. O homem é meramente identificado como “George, especialista em OVNIs” (sem, nem mesmo, um sobrenome).

Mesmo com diversos momentos apontando que Eu Vi é descaradamente falsa em suas descrições, é perfeitamente possível que a série tenha buscado relatos reais de experiências sobrenaturais para basear suas narrativas, mas dificilmente poderei ser convencido de que estes relatos estão sendo expostos pelos próprios relatores, em situações e interações que não estão sendo gritantemente fabricadas. Para pessoas próximas de alguém que está em provável desespero, os “coadjuvantes” são incrivelmente contidos, além de se comunicaram de forma notavelmente plástica.

Mesmo que se pudesse aceitar que a produção de Eu Vi não possui qualquer adulteração em suas representações e registros, ainda assim, poderia se apontar uma alarmante irresponsabilidade da série de explorar o sofrimento destas pessoas, cujas narrativas quase sempre terminam em completo pessimismo. O mais provável, é que estas conclusões deprimentes foram pensadas pelos produtores para deixar o espectador mais aterrorizado, ao final de cada episódio. Caso contrário, temos seis pessoas traumatizadas que precisam urgentemente de ajuda profissional, e que acabam de ter seus traumas trazidos à tona, novamente, além de recriados com um fotografia cinematográfica, sem qualquer resolução proposta. Não é difícil supor qual explicação é mais plausível.

Eu Vi pode agradar fãs de filmes de terror que resolverem aproveitar as recompensas pontuais de suas eficientes dramatizações. As caracterizações horripilantes de fantasmas e demônios chegam a se destacar perante diversas séries de ficção, e seriam um ótimo complemento para a proposta desta produção, caso esta tivesse conseguido alcançar seus objetivos declarados, com o mínimo de plausibilidade. Bons visuais não justificam um completo descaso com a credibilidade destes registros.

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