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Lucifer | Crítica - 4ª Temporada

Para a felicidade dos fãs, Lucifer retorna para sua quarta temporada, desta vez como uma série original Netflix. O novo ano mantém a identidade que a série estabeleceu na TV aberta americana, mas aproveita o espaço da plataforma para contar sua história de forma mais eficiente.

Em minha crítica sobre a terceira temporada, comemorei o resgate da série feito pela Netflix, não apenas porque acreditava que Lucifer ainda tinha material de sobra para explorar, mas também por que o formato comum à TV aberta, com mais de vinte episódios de quarenta minutos, estava claramente prejudicando o desenvolvimento deste universo com diversos episódios descartáveis e a necessidade incômoda de se alongar tramas principais além da conta.

Com esta quarta temporada, a série permanece consistente em seu formato procedural de “casos-da-semana”, mas procura integrá-los com ainda mais facilidade às tramas gerais e a progressão dos personagens. Ainda se percebe um certo alongamento conveniente, mas é inegável que chegar as resoluções depois de apenas dez episódios traz uma sensação de maior coesão para a temporada, e consequente, torna a experiência mais gratificante para o espectador.

Os novos episódios trazem novas dinâmicas produtivas para os personagens, com os coadjuvantes questionando seus estados até aqui, e com Lucifer (Tom Ellis) em conflito após (finalmente) a revelação de sua real natureza para Chloe (Lauren German). Amenadiel (D. B. Woodside) inicia esta temporada com uma maior compreensão e aceitação da humanidade, Ella (Aimee Garcia) questiona sua devoção à religião que sempre a guiou, e Dan (Kevin Alejandro) continua sendo um personagem frustrado, mas suas frustrações estão mais fáceis de empatizar depois da morte de Charlotte.

Estas mudanças ajudam a manter o formato procedural mais envolvente, e são exploradas com mais ênfase durante as tramas secundárias destes dez episódios. Amenadiel, em especial, acaba confrontando esta sua compreensão da humanidade, devido à recém-anunciada gravidez de Linda (Rachael Harris). Maze (Lesley Ann-Brandt), por sua vez, continua sendo a personagem empolgante que conquista a afeição dos fãs por sua atitude, mas também acabou tendo que questionar suas próprias mudanças de pensamento de forma edificante, e sua evolução durante esta temporada mostra que a personagem ainda pode continuar sendo relevante para os temas da série, além de suas cenas de ação.

Os dez episódios que chegam à Netflix trazem durações mais longas do que na TV aberta, e embora tenham ritmos bem equilibrados que dificilmente podem desgastar o espectador, também é possível perceber como os roteiristas acabaram re-orquestrando as suas narrativas para encaixar tudo que seria apresentado em uma temporada de vinte episódios. A conspiração inicial envolvendo Chloe e o padre Kinley, por exemplo, claramente seria alongada para preencher toda a metade da temporada, mas não demora muito para percebermos que não haveriam trajetórias tão excitantes para seguir com essa linha além de exposições necessárias para os conflitos que a temporada prepara.

Sem demora, então, a série apresenta a sua própria versão da figura bíblica Eva (Inbar Lavi) para revigorar suas tramas. Felizmente, Eva não ocupa necessariamente o posto de antagonista desta temporada, evitando uma repetição enfadonha do papel de Caim/Pierce na temporada passada. Ao invés disso, a personagem chega para formar o outro lado de um debate com Chloe. Enquanto a detetive representa a “humanidade” de Lucifer, e a sua evolução durante a série, Eva traz à tona o lado “demoníaco” do protagonista, fazendo-o questionar o seu propósito na Terra.

Esse questionamento acaba gerando uma reflexão interessante para Lucifer, que percebe o quanto ele mesmo se odeia, já que não se sente satisfeito em pertencer a nenhum de seus lados. E enfim, a necessidade do próprio Diabo precisar descobrir como se perdoar, e todo o processo que isso implica, já comprova o quanto esta série merecia mais uma chance de contar sua história, ainda que não se disponha a aprofundar estes debates apresentados com toda a ambição que poderia.

Ao invés de buscar construir uma discussão realmente rica sobre estes temas complexos, a produção mantém-se focada naquilo que a tornava tão divertida na TV aberta, não importando qual fosse o episódio: A luxúria e a desconsideração de Lucifer para com os valores morais, em um cenário tão fútil quanto Los Angeles e suas casas noturnas. Os pecados e tabus que Lucifer exalta sem o menor receio continuam mantendo as tramas procedurais chamativas, e a chegada de Eva ainda serve para proporcionar esta retomada da mentalidade depravada que definia o personagem no início da série.

Mas com Chloe sabendo da real identidade de Lucifer (ou, pelo menos, finalmente aceitando-a), havia o perigo da dinâmica principal da série ser quebrada, e sua tensão ser consideravelmente diminuída. Felizmente, a série conseguiu se restabelecer de forma eficiente para manter o engajamento do espectador, e não perdeu tempo ao avançar as consequências desta tão prolongada revelação. Por outro lado, Chloe também acabou perdendo um pouco de seu espaço nesta temporada. Sem um grande foco no processo de sua aceitação, a detetive se tornou, ainda mais, meramente complementar para a evolução do protagonista.

As cenas de ação de Lucifer e os aspectos visuais mais mirabolantes nunca foram o grande chamariz da série durante as primeiras temporadas, mas parecem melhor equilibrados durante esta leva de episódios. Destaco, inclusive, uma luta entre Amenadiel e outro anjo, que ocorre em um cenário descaradamente próprio, e com uma atmosfera muito semelhante à filmes de HQs para adultos dos anos 2000. E no que diz respeito à maquiagem e efeitos especiais, é notável como o orçamento da série parece melhor distribuído para capitalizar em cima dos momentos mais impactantes da história (ainda que não se compare à várias outras séries sobrenaturais da TV a cabo e do streaming).

Lucifer termina este quarto ano com um clímax eficiente e uma expansão de universo construtiva, apresentando propostas cativantes para onde a série ainda poderia se aventurar em temporadas futuras. De certa forma, estes dez episódios serviram como uma espécie de ponte para uma nova fase que, gradualmente, parece se desvencilhar do formato procedural, e se encontra com mais liberdade para posicionar seu protagonista em meio a conflitos mais grandiosos. Torço por mais uma renovação, uma vez que a série pode não ter excedido expectativas, mas conseguiu provar que merece ter seu espaço dentro do acervo da Netflix.

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