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O Perfume | Crítica - 1ª Temporada

A história de Patrick Suskind volta a ser explorada com a mais nova produção alemã da Netflix, O Perfume. Depois de ter sido adaptada para os cinemas em “Perfume: A História de um Assassino”, os temas e conceitos da trama são aprofundados em uma história contemporânea, que procura refletir sobre os velhos dilemas da “poção do amor”.

Longe de se aproveitar dos aspectos mais fantasiosos do livro de Suskind, O Perfume traz uma trama de mistério policial, iniciada após o assassinato de uma cantora semi-famosa. Cinco amigos de infância da cantora se reúnem para o funeral, e percebem que as circunstâncias do assassinato são familiares demais para serem mera coincidência. No lado policial, a detetive encarregada do caso, Nadja SImon (Friederike Becht), se vê cada vez mais imersa no caso, conforme enfrenta seus próprios dilemas como amante de seu superior.

O Perfume é uma série que funciona perfeitamente bem sem a necessidade de se ter qualquer contato com o material original, ou a adaptação cinematográfica. No entanto, caso o espectador já tenha tido este contato, a maneira como a série aprofunda e dialoga com as ideias originais é, talvez, seu maior mérito narrativo, e torna a experiência de acompanhá-la, muito mais recompensadora.

Com seis episódios, a trama demora até realmente abraçar sua derivação. Os três primeiros episódios (embora apresentem alguns paralelos identificáveis com o filme estrelado por Ben Whishaw) são dedicados à introdução e contextualização deste cinco amigos, ainda atormentados por uma adolescência conturbada. Cada um deles tem sua mentalidade muito bem estabelecida pelos primeiros episódios, retratando a relação de causa-e-consequência que formou suas personalidades atuais, através de vários “flashbacks”. Elena (Natalia Belitski) é a personagem que, talvez, tenha a construção melhor desenvolvida ao longo da série, uma vez que consegue ilustrar com mais objetividade boa parte dos temas recorrentes desta história.

Tal qual no filme, esta é uma história sobre a necessidade do ser humano de ser amado, a carência que temos dentro de nós, os impulsos que são gerados por essa carência natural, e a culpabilidade de atos impulsivos. O peso da culpa é evidente em todos os personagens principais, ainda que cada um demonstre como lida com este peso à sua maneira. Enquanto Roman (Ken Duken) precisa ter sua essencialidade reafirmada através da violência, por exemplo, Moritz (August Diehl) procura se distanciar da empatia e da humanidade com sua perspectiva fria como perfumista.

Logo de início, a história já gira em torno do desejo e da luxúria que atormenta estes personagens. Katarina, a cantora assassinada, era cobiçada por todos, despertando desejo em quem a visse, e cedendo aos seus próprios desejos sem restrições. A liberdade para seguir tais impulsos também é um tópico refletido pela série, durante estes seis episódios, com os personagens sendo extremamente tentados e cedendo as suas vontades, por mais egoístas que possam parecer.

Na história original, Jean-Baptiste Grenouille era um serial-killer que assassinava mulheres para poder “capturar” seus odores característicos e, assim, criar o perfume perfeito, a essência capaz de incitar o desejo de qualquer pessoa. De forma menos sofisticada, estamos basicamente falando sobre a típica “poção do amor”, e os dilemas que ela traz à quem a usa. Onde se traça a linha sobre a naturalidade do amor? Tal naturalidade é relevante para quem busca ser amado? Na série da Netflix, as respostas parecem ainda mais pessimistas do que no filme, mas também soam mais identificáveis ao público, uma vez que o roteiro busca retratar estes personagens com mais complexidade em suas decisões.

O Perfume é uma série mais densa do que o público fã dos mistérios da Netflix está acostumado. Na verdade, aqueles que buscarem apenas a tensão e a intriga do mistério principal, podem acabar se decepcionando com o ritmo lento da investigação, e com a dispersão da trama, que não hesita em deixar o mistério de lado para contextualizar alguma ação dos protagonistas. Os flashbacks acabam sendo complementos eficientes para a trajetória dos personagens, não só revelando pontos cruciais para a investigação, mas proporcionando uma intimidade maior ao espectador.

Assim como estes cinco pecaminosos amigos, a detetive Simon também acaba tendo que confrontar sua moralidade perante o intenso desejo de ser amada. Seria difícil apontar o dedo para qualquer um dos suspeitos sem parar para refletir sobre a decaída da detetive, durante a temporada. Tanto é que, ao final da série, a grande revelação de “quem matou Katarina” pouco importa perto da maneira como Simon cede aos seus impulsos, e encerra a trama detendo o tão cobiçado poder de ser “amada”.

Em algumas rápidas observações sobre a parte técnica de O Perfume, é válido destacar a trilha sonora expressiva de algumas sequências, utilizada para elevar a escala do drama de determinadas situações com menos sutileza do que costuma se esperar de séries policiais. A trilha sonora e a fotografia são os únicos elementos que ainda buscam conquistar uma parte do ambiente lúdico que o filme trazia, com a temperatura das cenas sendo uma prioridade (reforçando sentimentos de paixão ou vergonha).

A montagem cadenciada dos episódios, no entanto, é um dos motivos pelos quais não se recomendaria uma maratona da série, com suas reflexões sendo melhor absorvidas sem a pressa costumeiramente gerada por ganchos narrativos excessivos. Esta abordagem menos frenética distingue O Perfume de várias comparações no acervo da Netflix, mas também é responsável por deixar a curta série (afinal, são apenas seis episódios) menos engajante para o espectador, que precisa estar convictamente mais interessado em observar o comportamento perverso destes protagonistas.

“É um critério de busca ridículo. ‘Alguém desesperado por amor’. Somos todos.”

Quando a série revela a admiração dos cinco amigos pelas história de Suskind, temos uma cena interessante onde cada personagem dá a sua própria interpretação da história. Cada um tem sua perspectiva, mas todos demonstram serem frustrados pelo sentimento de insignificância, e o desejo de ser mais capaz. É um bom exemplo do que O Perfume busca retratar com este diálogo com a obra original. Não vejo necessidade de uma segunda temporada, e acredito que tal renovação poderia tornar a série ainda mais dispersa do que já foi visto neste primeiro ano. São apenas seis episódios, que não vão ser o entretenimento mais envolvente do ano, mas que apresentam profundidade o suficiente para tornar a experiência de acompanhá-los, mais do que válida.

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